Rio de Janeiro, 11/03/2021
O governo federal do Brasil, um país
com 212 milhões de habitantes, não está coordenando medidas de contenção de um
vírus que matou aproximadamente 250 mil pessoas em 2020. Pelos dados mais
recentes, as novas variantes do SARS-CoV-2 são aproximadamente 50% mais
transmissíveis do que a variante original que causou todas essas mortes.
Medidas de distanciamento, coordenadas por uma liderança central, são
necessárias para evitar mortes, mesmo após a vacinação da população. Tudo
indica que teremos que enfrentar esse vírus com cautela e atenção por mais
alguns anos. As vacinas são uma enorme ajuda, mas não são suficientes.[1]
Por isso, as estratégias para relaxamento das medidas de distanciamento devem
ser estudadas por cientistas e aplicadas por políticos. Além disso, para
podermos usufruir ao máximo dos benefícios das vacinas, é necessário estar
alerta às oportunidades de obtenção (compra e fabricação) e focado na
implantação e administração de um programa de vacinação rápido e eficiente. Até
agora, é de conhecimento público e notório, inclusive internacionalmente, que o
governo federal do Brasil não assumiu este papel crucial de liderança.
Para ilustrar apenas uma das
consequências trágicas desta falta de liderança central, estimamos o número de
mortes de pessoas com 60 anos ou mais entre janeiro e fevereiro de 2021. Esta
ilustração talvez seja uma das evidências mais quantificáveis da
responsabilidade direta do governo federal pela morte de milhares de pessoas.
Evidência de que o governo federal foi o responsável direto
pela morte de milhares de pessoas
O Butantan ofereceu ao governo
federal do Brasil em julho de 2020 uma opção de compra de 60 milhões de doses
da vacina Coronavac. Somadas às vacinas de outras empresas (incluindo Oxford-AstraZeneca
e Pfizer), essas doses permitiriam vacinar mais de 30 milhões de pessoas com as
duas doses recomendadas. Essas doses estariam disponíveis no último trimestre
de 2020.[2]
Realisticamente, a vacinação no Brasil poderia ter começado aproximadamente em
10 de dezembro de 2020.[3]
No Brasil há por volta de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Portanto,
toda a população idosa do Brasil já poderia ter sido vacinada. Caso tivéssemos
vacinado 2 milhões de pessoas por dia[4],
em 16 dias, isto é, no dia 26 de dezembro de 2020, todos os idosos teriam
recebido a primeira dose. A segunda dose seria administrada, em média, 21 dias
após a primeira[5],
portanto, em 15 de janeiro de 2021 todos os idosos teriam recebido a segunda
dose. A eficácia inferida nos ensaios clínicos das vacinas mediu a incidência
da COVID-19 a partir de algum tempo após a segunda dose (por exemplo, no sétimo
dia após a segunda dose no ensaio da Pfizer). Portanto, fizemos a simulação
contando as mortes a partir do dia 22 de janeiro de 2021.
Entre 22 de janeiro e 28 de fevereiro
de 2021 foram registradas 33.676 mortes por COVID-19 em pessoas com 60 anos ou
mais no Brasil.[6] Se
todos os idosos tivessem sido vacinados com a segunda dose até 15 de janeiro de
2021, presumindo uma eficácia de 70% em reduzir o risco de morte pela COVID-19,
teriam sido 10.102 óbitos, ao invés de 33.676 (figura).[7]
Esses dados revelam que 23.574 idosos, que morreram em pouco mais de um mês, não teriam morrido se tivessem sido vacinados!
Essas mortes teriam sido evitadas se o
governo federal tivesse comprado em 2020 as doses oferecidas pelo Butantan,
Oxford-AstraZeneca e Pfizer, e liderado o esforço para implantação de programa
de vacinação desse grupo mais vulnerável ao SARS-CoV-2.
Conclusão
Como demonstrado, até este momento a
atuação omissa e irresponsável do governo federal já causou milhares de mortes.
O SARS-CoV-2 já demonstrou que é um vírus difícil e complexo de ser combatido.
Por isso, necessitará de cientistas e líderes políticos focados e engajados nesta
missão por mais alguns anos. O governo federal já deu provas de que não está
focado e engajado nesta missão e, portanto, é uma ameaça direta e real para a
vida de milhões de pessoas. O SARS-CoV-2 não espera para continuar evoluindo e
se disseminando. Por isso, não podemos esperar pelas próximas eleições.
Paulo Nadanovsky.
Professor Titular, Departamento de
Epidemiologia, Instituto de Medicina Social, UERJ.
Pesquisador Associado, Departamento
de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde
Pública, FIOCRUZ.
[1]
Resultados recentes sobre as vacinas de RNAm estão se acumulando quase
diariamente (por exemplo, Pfizer e Moderna), sugerindo que a efetividade dessas
vacinas é extraordinária. Eles sugerem que essas vacinas são excepcionalmente
efetivas não só em evitar casos graves incluindo mortes, como também em evitar
a transmissão do vírus. Assim sendo, rapidamente essas vacinas podem efetivamente
acabar com esta epidemia.
[2] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/governo-negou-3-vezes-ofertas-da-pfizer-e-perdeu-ao-menos-3-milhoes-de-doses-de-vacina.shtml?origin=folha
[3] A Anvisa
aprovou a Coronavac e a AstraZeneca somente em 17 de janeiro de 2021, o que
impossibilitaria o início da vacinação em 10 de dezembro de 2020. Porém, é
difícil saber se, com a compra pelo governo federal em julho/agosto de 2020 e a
atitude colaborativa entre fabricantes, governo e Anvisa, a aprovação teria
sido mais cedo. Ainda que a aprovação, nessas circunstâncias hipotéticas mais
favoráveis de colaboração entre as partes, tivesse ocorrido mesmo em 17 de
janeiro de 2021, os números de mortes evitadas apresentados neste texto seriam similares,
pois elas ocorreriam, se não a partir de janeiro, a partir de fevereiro/março 2021.
[5] Em
média, já que a segunda dose da Coronavac pode ser administrada entre 14 e 28
dias após a primeira dose.
[6] Portal
transparência consultado em 10 de março de 2021 - https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-covid)
[7] A
eficácia da Coronavac em reduzir o risco da doença menos grave foi de 50%. No
entanto, parece que a efetividade de todas as vacinas contra a COVID-19,
incluindo a Coronavac, em reduzir o risco de doença mais grave é maior do que
em reduzir o risco de doença menos grave – estima-se que a efetividade neste
caso seja em torno de 90 a 100%. Ainda assim, como essas estimativas ainda são
imprecisas, e para sermos conservadores, simulamos uma efetividade menor, de 70%.
Caro Professor Paulo Nadanovsky.
ResponderExcluirMuito obrigada por todas as informações postadas no blog até agora! Sucessos!