terça-feira, 28 de abril de 2020

Por que o Brasil, mesmo depois de mais de quatro semanas de confinamento domiciliar, ainda apresenta aumento no número de mortes diárias registradas?


Rio de Janeiro, 27 de abril de 2020

No post de 18 de abril já havia indicação de que Itália, Espanha e Reino Unido já tinham atingido o pico de seus surtos de mortes diárias. Hoje, 27 de abril, essa indicação foi reforçada. Nesses três países, o pico (i.e., o momento em que não houve mais crescimento no número de mortes diárias) ocorreu aproximadamente três semanas após o início do confinamento domiciliar. As setas verdes no gráfico apontam o momento em que foi iniciado o confinamento domiciliar em cada país (Figura 1). Na Itália o confinamento iniciou na barra do 16º dia e o pico foi na barra do 37º dia (intervalo de 21 dias); na Espanha, 10º e 31º (21 dias); no Reino Unido, 19º e 37º (18 dias). Nos EUA não havia indicação clara de que o pico já tinha sido atingido. Parecia que poderia ter sido atingido na barra do 40º dia, mas houve a mudança no critério de registro de morte associada à COVID-19 em 15 de abril (47º dia), que deve ter aumentado o número de mortes registradas (ver explicação na nota de rodapé da Figura 1). Como as próximas barras na série dos EUA foram mais baixas do que a barra amarela do 46º dia (aparentemente anômala devido à mudança no critério de registro), então, parece que os EUA também atingiram o pico na barra do 40º dia, i.e., 18 dias após o início do confinamento domiciliar.

A Coreia do Sul vinha mantendo desde o 10º até o 57º dia o mesmo número de novas mortes diárias, variando de três a sete. De lá para cá, no 61º-63º dia de seu surto, caiu para menos de duas mortes. A Coreia desde o início vem testando amostras populacionais para detecção do SARS-CoV-2, identificando as pessoas com resultado positivo e isolando-as por duas ou três semanas. A Coreia em nenhum momento até o 63º dia desde a primeira morte confinou toda população em casa.





Figura 1. Número de mortes (eixo vertical) em escala logarítmica.

    = Fique em casa!



* Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de COVID-19): Brasil, Março 17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21; Espanha, Março 1; EUA, Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.

* O número diário de novas mortes é sujeito a variações aleatórias que dificultam observar claramente se a tendência é ascendente, estacionária ou descendente. Por isso, os gráficos neste post apresentam uma média de três dias para representar o número diário de novas mortes. Por exemplo, no 4º, 5º e 6º dia após a primeira morte por COVID-19 registrada no Brasil houve duas, cinco e sete novas mortes, respectivamente; a média diária então foi de 4,67 que equivale aproximadamente a 5 mortes nos dias 4-6. Dessa forma evitamos ser confundidos por oscilações aleatórias irrelevantes.


* O número limitado de testes para confirmação do diagnóstico da COVID-19, as diferenças no número de sub e sobre notificações de mortes por COVID-19 entre os países e em diferentes momentos em um mesmo país e outras dificuldades na atribuição da causa de morte, significa que o número de mortes registradas (e relatadas nos gráficos) pode não ser uma contagem acurada do verdadeiro número de mortes pela COVID-19. Por exemplo, os EUA relataram no dia 15 de abril uma mudança no critério de diagnóstico – a partir daquele dia, não haveria mais necessidade de confirmação de teste diagnóstico laboratorial (por exemplo, PCR) para classificar uma morte pela COVID-19, bastando apenas o diagnóstico clínico. Neste dia o número de novas mortes registradas pulou de 1541 no dia anterior (14 de abril) para 2408 e para 4928 no dia seguinte (16 de abril). Esses foram o 46º, 47º e 48º dias do surto naquele país (a barra amarela mais recente na série dos EUA deve ser mais saliente, pelo menos em parte, devido a esta mudança de critério de registro).




No Brasil, o confinamento iniciou na barra do 7º dia. De acordo com o padrão identificado nos outros países acompanhados aqui, o pico deveria ser atingido 18 a 21 dias depois, i.e., pelo menos na barra do 28º dia. No entanto, a barra do 31º dia foi mais alta do que a do 28º dia, indicando que, no Brasil, o pico não foi atingido três semanas após o início do confinamento domiciliar. As duas barras mais recentes, do 37º-39º e 40º-42º dia, demonstram que o número de mortes diárias continua crescendo, portanto, não há indicação ainda de que o pico já tenha sido atingido. Existe, portanto, uma incompatibilidade nos dados. Por um lado, com base no que aconteceu nos outros países, o Brasil já deveria ter atingido o pico de novas mortes diárias três semanas após o início do confinamento domiciliar. Além disso, teoricamente o confinamento domiciliar reduz imediatamente e drasticamente o contágio e essa redução no contágio deve reduzir o número de mortes de COVID-19 a partir da terceira semana seguinte. Neste caso, o pico deveria ter acontecido na barra do 28º dia (entre 13 e 15 de abril), quando houve 136 novas mortes registradas. Mas, na realidade, chegamos a quase 300 mortes diárias nos 40º-42º dias, sem sinal ainda de que atingimos o pico. O que pode explicar essa discrepância? 

Por que o Brasil está levando um tempo mais longo do que os outros países para atingir o pico?



Atraso na confirmação de mortes por COVID-19 no Brasil

Uma possibilidade é o atraso na confirmação de mortes por COVID-19 no Brasil, que pode ser maior do que nos outros países, pois há atraso nos resultados dos testes laboratoriais. Há um atraso grande no Brasil, reconhecido pelas autoridades e relatado pelos médicos. Por exemplo, pode ser que as mortes por COVID-19 registradas em um determinado dia reflitam na realidade mortes que ocorreram duas ou três semanas antes. Neste caso, pode ser que o pico de mortes diárias já tenha sido atingido, mas como muitas mortes passadas não foram ainda confirmadas, elas não contribuíram para a altura das barras passadas, mas ainda continuam a contribuir para a altura das barras atuais. Neste caso, o pico teria já de fato sido atingido, porém, por enquanto não está sendo possível detectar este fato pelos dados de registros de mortes. Esta explicação não parece suficiente, pois recentemente houve uma redução grande no atraso dos resultados dos testes em São Paulo, porém o número de mortes continuou a subir, mesmo depois que esses resultados atrasados foram incorporados aos registros.

Subnotificação de mortes por COVID-19

O número real de mortes por COVID-19 (mortes registradas + mortes não registradas) parece ser maior do que o número registrado, pois o número não registrado de mortes por COVID-19 parece ser grande. Este é um fenômeno mundial que atinge países menos e mais desenvolvidos. Uma indicação desse fenômeno foi a descoberta de que houve um excesso repentino na mortalidade por todas as causas nos locais mais afetados pela pandemia e este excesso foi maior do que as mortes registradas pela COVID-19 poderiam explicar. A taxa de mortalidade por todas as causas nas semanas de março e abril de 2020 foi mais alta do que nas semanas equivalentes entre 2015 e 2019, nos locais onde houve muitas mortes ligadas à COVID-19. Além disso, nesses locais o excesso de mortalidade nas semanas de 2020 foi maior do que as mortes registradas de COVID-19. Em 14 países desenvolvidos incluindo Itália, Espanha e Inglaterra & País de Gales, houve 122 mil mais mortes nas semanas recentes do que a média usual nesses países nas mesmas semanas dos anos anteriores (isto significa um aumento de 52%). Mas, além disso, foram 45 mil mais mortes do que o número de mortes registradas por COVID-19. Ou seja, deste excesso de 122 mil mortes, somente 77 mil foram registradas como sendo devidas à COVID-19; grande parte dessas 45 mil mortes devem ter sido mortes por COVID-19 não registradas. Algumas dessas mortes podem ser resultado de outras causas, pois o confinamento pode aumentar o risco de transtornos mentais e físicos que aumentam o risco de morrer. Além disso, as pessoas estão evitando ir aos hospitais por causa de outros problemas de saúde. Mas, provavelmente a maioria dessas mortes é consequência direta do vírus (https://www.ft.com/content/6bd88b7d-3386-4543-b2e9-0d5c6fac846c).

Em locais específicos onde o surto de COVID-19 foi mais intenso o problema da subnotificação é ainda mais agudo. Na região da Lombardia na Itália o excesso recente de mortes por qualquer causa foi de mais de 13 mil mortes, mas somente pouco mais de 4 mil mortes por COVID-19 foram registradas. Em vários países o excesso de mortalidade é muito maior do que o número de mortes registradas por COVID-19. Por exemplo, Inglaterra & País de Gales (47% mais mortes em excesso do que registros de morte por COVID-19), Suécia (40%) e Espanha (33%) (https://www.ft.com/content/6bd88b7d-3386-4543-b2e9-0d5c6fac846c).

O excesso de mortalidade foi tamanho que sobrecarregou os mecanismos de relato dos serviços de saúde, dificultando o registro de todas as mortes de forma fidedigna. Médicos ficam tão ocupados, apressados, preocupados em resolver os problemas dos atendimentos de tantos pacientes, que a primeira baixa organizacional é o preenchimento de formulários. Muitos pacientes não foram testados para confirmar a presença do SARS-CoV-2 laboratorialmente. Além disso, em vários países, mortes por COVID-19 que ocorreram em residências para idosos e em domicílios não foram registradas, pois muitas vezes essas pessoas não foram testadas laboratorialmente (https://www.ft.com/content/6bd88b7d-3386-4543-b2e9-0d5c6fac846c).

É difícil saber o quanto que as diferenças na subnotificação podem explicar as diferenças identificadas entre os países analisados neste post. Provavelmente houve modificações no nível de subnotificação com o decorrer do tempo durante a pandemia em cada país. É plausível que diferenças (e mudanças no tempo) em níveis de subnotificação sejam maiores entre países do que em um mesmo país. Como o foco das análises neste post é a mudança através do tempo dentro de cada país, a subnotificação não deve invalidar as análises e discussões relatadas aqui. Portanto, a subnotificação não deve ser uma razão que explique porque o Brasil está demorando mais do que o esperado para atingir o pico de mortes diárias (ou para perceber que já atingiu o pico).   

Surtos locais ou regionais em momentos diferentes no Brasil

Uma outra possibilidade é que a maioria das mortes registradas nas primeiras três semanas foi principalmente um reflexo dos surtos de São Paulo e Rio de Janeiro. Como o Brasil é um país com população maior, mais extenso geograficamente, mais desigual em termos socioeconômicos e educacionais e com unidades da federação possivelmente mais independentes do ponto de vista administrativo, do que os outros países (talvez com exceção dos EUA, que compartilham essas características com o Brasil), pode ser que novos surtos em outros locais começaram a influenciar o ritmo da pandemia no Brasil, de forma diferente do que foi o caso nas três primeiras semanas. Ou seja, pode ser que o Brasil venha a ter não um surto nacional, mas vários surtos locais ou regionais, cada um em um momento no tempo. Como se o Brasil pudesse ser entendido não apenas como um país, mas três ou quatro países, com surtos relativamente independentes, ou pelo menos, em momentos diferentes. Mas, esta explicação também não parece plausível, pois mesmo São Paulo, local onde o surto começou no Brasil, ainda não deu sinais de que atingiu o pico.

Adesão menor e/ou decrescente ao confinamento domiciliar

Uma outra explicação seria uma adesão menor e/ou decrescente ao confinamento domiciliar, com o passar dos dias e das semanas. Itália, Espanha, EUA e Reino Unido “levaram um susto” quando constataram o número grande e rapidamente crescente de novas mortes diárias e com as dificuldades enfrentadas pelos serviços de saúde. As autoridades naqueles países foram firmes e consistentes na recomendação e aplicação do confinamento domiciliar, quando resolveram adotá-lo. No Brasil, como o número de mortes e transtorno dos serviços de saúde não chegaram ainda ao ponto de assustar a população e nem algumas autoridades, o confinamento domiciliar pode não ter sido respeitado de forma tão ampla como nos outros países analisados aqui. Por exemplo, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tem expressado, de forma consistente, desde o início desta pandemia, que ele não acha necessário e até mesmo não concorda com o confinamento domiciliar. Esta atitude da principal autoridade do país pode ter motivado muitas pessoas a não aderirem ao confinamento. Portanto, o confinamento domiciliar no Brasil pode ter sido, na prática, algo diferente do que foi nesses outros países. Esta explicação parece bem plausível, ainda mais se considerarmos os vários sistemas de vigilância que relatam um percentual alto de circulação de pessoas e veículos nas cidades, durante o período de confinamento.

Sazonalidade

Viroses costumam ocorrer mais frequentemente em determinados momentos no ano, de acordo com a estação. Outros coronavírus que infectam seres humanos e causam problemas respiratórios costumam ser sazonais – no hemisfério norte apresentam o pico de casos no inverno. Dos cinco países neste post que adotaram o confinamento domiciliar de toda a população apenas o Brasil não está no hemisfério norte. Pode ser que o ciclo de proliferação e contágio do SARS-CoV-2 obedeça regra similar de sazonalidade (isto ainda não é sabido) e, portanto, apresente momentos críticos em diferentes meses nos hemisférios norte e sul; o momento crítico pode estar cessando em abril no norte, mas não no sul. Se o SARS-CoV-2 de fato variar de acordo com a estação do ano, pode ser que o confinamento no Brasil tenha ocorrido em momento ascendente e nos países do norte em momento descendente deste vírus. Esta pode ser a razão porque o confinamento pode ter impedido o aumento no número de mortes nos países do norte, em abril, mas não no Brasil. Ainda assim, mesmo que não consiga impedir o aumento no número de mortes, o confinamento no Brasil pode estar evitando um aumento maior no número de mortes (i.e., poderia ser um aumento maior se não houvesse o confinamento). Independentemente da sazonalidade, se não há contato entre as pessoas, não tem como haver contágio.   

Outros fatores que podem influenciar diferenças entre os países

Todos os países tomaram outras atitudes para redução do contágio, tais como banimento de eventos públicos e fechamento de escolas, antes do confinamento de toda população em casa. Esses fatores variaram entre os países e influenciam também diferenças na velocidade do contágio.

Depois de 40 dias do registro da primeira morte o Brasil continua apresentando um crescimento no número de novas mortes diárias menor do que os outros países apresentaram nos primeiros 40 dias de seus surtos (barra do 40º-42º dia, que é a barra mais recente do Brasil): o Brasil apresentou 297 novas mortes, enquanto Itália, Espanha, EUA e Reino Unido apresentaram 792, 578, 1.900 e 744, respectivamente. No entanto é importante notar que o Brasil ainda está com números ascendentes enquanto os outros países aqui analisados já estavam no pico ou descendentes no 40º dia de seus surtos (Figura 2).




Figura 2. Número de mortes (eixo vertical) em escala linear. As barras da Coreia do Sul não aparecem, pois os números de mortes são muito pequenos. Outras explicações deste gráfico estão na figura 1.




Conclusão       

Com o confinamento domiciliar de toda população o objetivo era fazer com que o número de mortes diárias parasse de crescer e começasse a diminuir, a partir da terceira semana após o início do confinamento; três semanas é um tempo médio entre o início da infecção e o óbito nas pessoas que fazem os quadros mais graves da COVID-19. No entanto, o Brasil ainda está com números ascendentes enquanto os outros países aqui analisados já estavam no pico ou descendentes no 40º dia de seus surtos (Figura 2). E este fato é preocupante e um enigma que até agora não identifiquei nenhuma autoridade tentando explicar; isto é:

Por que o Brasil, mesmo depois de mais de quatro semanas de confinamento domiciliar, ainda apresenta aumento no número de mortes diárias registradas?

Depois de analisar várias explicações alternativas, concluo que provavelmente a resposta é a seguinte: o confinamento domiciliar foi adotado, de fato, apenas por uma quantidade insuficiente da população.


Paulo Nadanovsky, PhD.

Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.



domingo, 26 de abril de 2020

The usefulness of the SARS-CoV-2 antibody test


April 23, 2020

There are at least three circumstances in which the SARS-CoV-2 antibody test can be used to help deal with the COVID-19 pandemic. These three circumstances are as follows: during the treatment / clinical handling of patients in hospitals or medical clinics; in epidemiological surveillance to monitor the pandemic; to issue an immunity certificate (or “passport”). In this post we will discuss the usefulness of this type of test in each of these circumstances. The other type of test, the one that detects the presence of the virus, will be considered briefly and only in the clinical handling of patients.

PATIENT TREATMENT
Diagnosis of patients in hospitals or medical clinics to assist in clinical handling
(Not useful)

To assist in the clinical management of patients with suspected clinical signs and symptoms of COVID-19, the indicated test is the one that seeks to detect the presence of the virus at that specific time, as infected patients must be isolated from other patients to avoid contagion and be recruited to participate in clinical trials and receive treatments.
In this situation, the test for antibody detection is not useful, because if the result in this test is negative, it may be that the patient is infected, but has not yet had time to produce the antibodies; if it is positive, it may be that he has already produced antibodies, but there has not yet been time to get rid of the viruses and therefore still be contagious.

EPIDEMIOLOGICAL MONITORING
Monitoring the percentage of the population with SARS-CoV-2 antibodies, the speed of the epidemic's expansion over time and the percentage of people who had asymptomatic infections
(It is very useful; essential)

The purpose of the test in this case is to screen for people with possible immunity, i.e., people who have already been infected and have produced antibodies against SARS-CoV-2. This constant epidemiological surveillance is essential to help us make decisions about the need to apply broader and stricter physical distance measures, such as school closures and quarantine for the entire population, as well as opportunities to reduce physical distance measures. Household surveys being conducted in Brazil at this time, using this rapid serological test, are, initially, scheduled to occur in four phases, with a two-week interval between the phases. In this way, it will be possible to estimate the spread of SARS-CoV-2 in the country at this time (EPICOVID19 -
These surveys will also be useful to reveal something very important, which is the number of people who were infected, but did not notice, that is, they were asymptomatic. In addition to the tests, researchers will interview participants and be able to inquire about recent symptoms typical of COVID-19. People who test positive and report absence of recent symptoms will be classified as cases of asymptomatic infections. This is important to investigate the role of asymptomatic people as disseminators of this pandemic. This investigation will be possible, because in the phases subsequent to the first phase, the researchers will apply the test and interview neighbours of the participants who were included in the previous phase.
These epidemiological surveys with rapid serological tests for antibody detection are likely to be the key instrument to help us deal with this pandemic, which may last until 2022 (and even resurface in 2025) (https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/14/science.abb5793/tab-pdf). These tests are likely to act as the speedometer that will indicate the speed of contagion, to help us accelerate or step on the brake, by applying measures to reduce or increase physical distance (confinement), such as closing (or opening) schools and trade, and home confinement (or relaxation) of the entire population.
In the medium / long term, these tests will be useful to detect when we are approaching the threshold of herd immunity that will signal the end of this pandemic. For example, if the basic reproduction number of SARS-CoV-2 is 3 (R0 = 3), when the population reaches 67% of people with antibodies, we can assume that the epidemic will not be sustained and will soon be eliminated.

CERTIFICATE (OR “PASSPORT”) OF IMMUNITY
Identification of people in the population who are able to leave home confinement and speed up the resumption of economic and social activities
(Usefulness depends on the prevalence of people with antibodies)

Let's imagine three scenarios to understand the effect of this type of test in practice, in order to issue (or obtain) an immunity certificate. The rapid test for antibodies to SARS-CoV-2 tends to have high specificity, but relatively low sensitivity. The test that was used in the household survey in Rio Grande do Sul and that is being used in household surveys in all states in Brazil (with samples of people in 133 sentinel cities) has a specificity of 99% (percentage of negative results among people without antibodies) and sensitivity of 86% (percentage of positive results among those with antibodies).
Let's say (first scenario) that in a population of 10,000 people there are, hypothetically, 100 (1%) with antibodies to SARS-CoV-2 (Figure 1). The tree (flowchart) clearly shows that in this scenario the number of true-positive results (86) is less than that of false-positive results (99). Even with a very good specificity (99%) a positive result is more likely to be false than true. This means that, for a person with a positive result, the probability of not having antibodies is greater than that of having antibodies. In possession of an "immunity certificate" like this, the person should not feel reassured, as she is more likely to be susceptible than immunized.

Figure 1) The rapid serological test for antibodies to SARS-CoV-2. Scenario 1: Prevalence of immunized patients = 1%; Specificity = 99%; Sensitivity = 86%. For every 100 true positives, there are 115 false positives. Only 46% of the positives are true.



Now, in a population with 10% or 20% of people with antibodies (second and third scenarios), a positive result in this test shows a high probability that the person actually has antibodies (Figures 2 and 3). The number of true-positive results is much greater than that of false-positive results; for every 100 true-positive results there are only 10 and 5 false-positive results, when the prevalence is 10% and 20%, respectively.


Figure 2) The rapid serological test for antibodies to SARS-CoV-2. Scenario 2: Prevalence of immunized patients = 10%; Specificity = 99%; Sensitivity = 86%. For every 100 true positives, there are 10 false positives. 90% of the positives are true.


Figure 3) The rapid serological test for antibodies to SARS-CoV-2. Scenario 3: Prevalence of immunized patients = 20%; Specificity = 99%; Sensitivity = 86%. For every 100 true positives, there are 5 false positives. 95% of the positives are true.



Prevalence of 1% or less is common at this time in most populations and 10% or more is rare. In the region of Italy where there were a large number of deaths from COVID-19 the prevalence of infected people is no more than 15%. The usefulness of this test may be greater for subpopulations very exposed to the virus, such as physicians, nurses and nursing technicians, who are constantly in close contact with infected people. It can also be useful for people who are recent "contacts" of infected people; it would be as if these people belong to populations with a high prevalence of people with antibodies (there are reports that among physicians, nurses, nursing technicians and hospital workers in general, the prevalence of people with antibodies is around 20%).
The numbers in the three scenarios are based on the aggregate population and ignore clinical history which would modify the prior probabilities. Within the general population and among special populations such as healthcare workers, there are individuals with and without a history of what sounds like COVID-19 including those with no, atypical, mild, moderate and a severe history. In each of these there is a different prior probability (i.e., a different prevalence of antibodies in the figures), that could possibly vary from 2 to 80% for instance.


Summary

The rapid serological test for antibodies to SARS-CoV-2 is essential for monitoring: the percentage of the population with antibodies; the speed of the epidemic's expansion over time; of the percentage of people who had asymptomatic infections. It is useless for the diagnosis of patients in hospitals or medical clinics with the aim of assisting in clinical handling. It is useless for the identification of people in the population who are able to leave home confinement and speed up the resumption of economic and social activities, when the prevalence of people with antibodies is low (around 1%); but it is useful when the prevalence is higher, i.e., when at least 10% of the population have antibodies. This test is also useful for people who are often exposed to infected people or who have been intimately exposed to an infected person.


Therefore, the test for antibody to SARS-CoV-2 is:

- Essential for epidemiological surveillance;
- Useless for clinical handling of patients;
- Useless for certificate of immunity if prevalence of people with antibodies is low;
- Useful for certificate of immunity if prevalence of people with antibodies is high (≥10%).



 Warning: It has not yet been proven that antibodies to SARS-CoV-2 confer immunity and if so, for how long. Therefore, the values ​​of specificity, sensitivity and scenarios discussed in this post may not be relevant, if the antibodies do not confer immunity or do it only for a short period of time. For now, based on studies with monkeys and evidence of other viruses in humans, it is assumed that there is immunity acquired for at least two years (https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/14/science.abb5793/tab-pdf).


Paulo Nadanovsky, PhD

Epidemiologist at FIOCRUZ and at the University of the State of Rio de Janeiro




Disclaimer: I am an epidemiologist, but not a specialist in the epidemiology of infectious diseases. I teach epidemiological methods in the doctoral and master's courses at the National School of Public Health at FIOCRUZ, at the Institute of Social Medicine of the State University of Rio de Janeiro and in the undergraduate medical course at this University.
The opinions in this article are mine, they do not necessarily represent the opinions of other professionals in my institutions, much less their official position.





sexta-feira, 24 de abril de 2020

A utilidade do teste para detecção de anticorpos do SARS-CoV-2


23 de abril de 2020

Há pelo menos três circunstâncias em que o teste para detecção de anticorpos de SARS-CoV-2 pode ser utilizado para ajudar a lidar com a pandemia da COVID-19. Essas três circunstâncias são as seguintes: durante o tratamento / manuseio clínico de pacientes em hospitais ou clínicas médicas; na vigilância epidemiológica para monitoramento da pandemia; para emitir certificado (ou “passaporte”) de imunidade. Discutiremos neste post a utilidade deste tipo de teste em cada uma dessas circunstâncias. O outro tipo de teste, aquele que detecta a presença do vírus, será considerado brevemente e apenas no manuseio clínico dos pacientes.

TRATAMENTO DE PACIENTES
Diagnóstico de pacientes em hospitais ou clínicas médicas para auxiliar no manuseio clínico
(Não é útil)

Para ajudar no manuseio clínico de pacientes com sinais e sintomas clínicos suspeitos da COVID-19, o teste indicado é o que busca detectar a presença do vírus naquele momento específico, pois pacientes infectados devem ser isolados dos outros pacientes para evitar o contágio e ser recrutados para participar de ensaios clínicos e receber tratamentos.

Nessa situação, o teste para detecção de anticorpos não é útil, pois se o resultado neste teste for negativo pode ser que o paciente esteja infectado, mas ainda não tenha dado tempo dele produzir os anticorpos; se for positivo, pode ser que ele já tenha produzido anticorpos, mas ainda não tenha havido tempo de ter se livrado do vírus e, portanto, ainda estar contagiando.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
Monitoramento do percentual da população com anticorpos para o SARS-CoV-2, da velocidade da expansão da epidemia ao longo do tempo e do percentual de pessoas que teve infecções assintomáticas
(É muito útil; imprescindível)

O objetivo do teste neste caso é o rastreamento de pessoas que já foram infectadas e produziram anticorpos contra o SARS-CoV-2. Esta vigilância epidemiológica constante é fundamental para nos ajudar a tomar decisões sobre a necessidade de aplicar medidas mais amplas e estritas de distanciamento físico, tais como fechamento de escolas e quarentena de toda a população, como também sobre as oportunidades de diminuir as medidas de distanciamento físico. Os inquéritos domiciliares sendo realizados no Brasil neste momento, utilizando este teste rápido sorológico, estão, a princípio, programados para ocorrer em quatro fases, com duas semanas de intervalo entre as fases. Dessa forma será possível estimar a velocidade do contágio do SARS-CoV-2 no país neste momento (EPICOVID19 -

Esses inquéritos serão úteis também para revelar algo muito importante, que é a quantidade de pessoas que foram infectadas, mas não perceberam, ou seja, foram assintomáticas. Além dos testes os pesquisadores entrevistarão os participantes e poderão indagar sobre sintomas recentes típicos da COVID-19. As pessoas que testarem positivo e relatarem ausência de sintomas recentes serão classificadas como casos de infecções assintomáticas. Isto é importante para investigar o papel de pessoas assintomáticas como disseminadoras desta pandemia. Esta investigação será possível, pois nas fases subsequentes à primeira fase, os pesquisadores aplicarão o teste e entrevistarão vizinhos dos participantes que foram incluídos na fase anterior.

Esses inquéritos epidemiológicos com testes rápidos sorológicos de detecção de anticorpos provavelmente serão o instrumento chave para ajudar-nos a lidar com esta pandemia, que pode durar até 2022 (e até ressurgir em 2025) (https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/14/science.abb5793/tab-pdf). Esses testes provavelmente atuarão como o velocímetro que indicará a velocidade do contágio, para nos ajudar a acelerar ou a pisar no freio, ao aplicarmos medidas para reduzir ou aumentar o distanciamento (confinamento) físico, tais como fechamento (ou abertura) de escolas e de comércio e confinamento (ou relaxamento) domiciliar de toda a população.

No médio/longo prazo, esses testes serão úteis para detectar quando estivermos nos aproximando do limiar de imunidade de rebanho que sinalizará o fim desta pandemia. Por exemplo, se o número básico de reprodução do SARS-CoV-2 for 3 (R0=3), quando a população atingir 67% de pessoas com anticorpos podemos presumir que a epidemia não se sustentará e logo será eliminada. 

CERTIFICADO (OU “PASSAPORTE”) DE IMUNIDADE
Identificação de pessoas na população que estão aptas a sair do confinamento domiciliar e agilizar o reinício das atividades econômicas e sociais
(Utilidade depende da prevalência de imunizados na população)

Vamos imaginar três cenários para entender o efeito deste tipo de teste na prática, com o objetivo de emitir (ou obter) certificado de imunidade. O teste rápido para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2 costuma ter alta especificidade, mas sensibilidade relativamente baixa. O teste que foi utilizado no inquérito domiciliar no Rio Grande do Sul e que está sendo utilizado nos inquéritos domiciliares em todos os estados no Brasil (com amostras de pessoas em 133 cidades sentinelas) tem especificidade de 99% (percentual de resultados negativos entre os sem anticorpos) e sensibilidade de 86% (percentual de resultados positivos entre com anticorpos).

Digamos (primeiro cenário) que em uma população de 10 mil pessoas haja, hipoteticamente, 100 (1%) com anticorpos para o SARS-CoV-2 (Figura 1). A árvore (fluxograma) demonstra claramente que neste cenário a quantidade de resultados verdadeiro-positivo (86) é menor do que a de resultados falso-positivo (99). Mesmo com uma especificidade muito boa (99%) um resultado positivo tem mais chance de ser falso do que verdadeiro. Isto significa que, para uma pessoa com um resultado positivo, a probabilidade de não ter anticorpos é maior do que a de ter anticorpos. Em posse de um “certificado de imunidade” como este, a pessoa não deve se sentir tranquilizada, pois mais provavelmente ela está suscetível do que imunizada.
Figura 1) O teste sorológico rápido para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2. Cenário 1: Prevalência de imunizados = 1%; Especificidade = 99%; Sensibilidade = 86%. Para cada 100 verdadeiros-positivo, há 115 falsos-positivo. Somente 46% dos positivos são verdadeiros.



Agora, em uma população com 10% ou 20% de pessoas com anticorpos (segundo e terceiro cenários), um resultado positivo neste teste demonstra grandes probabilidades da pessoa ter de fato anticorpos (Figuras 2 e 3). A quantidade de resultados verdadeiro-positivo é bem maior do que a de resultados falso-positivo; para cada 100 resultados verdadeiro-positivo há apenas 10 e 5 resultados falso-positivo, quando a prevalência é de 10% e 20%, respectivamente.



Figura 2) O teste sorológico rápido para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2. Cenário 2: Prevalência de imunizados = 10%; Especificidade = 99%; Sensibilidade = 86%. Para cada 100 verdadeiros-positivo, há 10 falsos-positivo. 90% dos positivos são verdadeiros.


Figura 3) O teste sorológico rápido para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2. Cenário 3: Prevalência de imunizados = 20%; Especificidade = 99%; Sensibilidade = 86%. Para cada 100 verdadeiros-positivo, há 5 falsos-positivo. 95% dos positivos são verdadeiros.



Prevalências de 1% ou menores são comuns neste momento na maioria das populações e de 10% ou mais, raras. Na região da Itália em que houve um grande número de mortes pela COVID-19 a prevalência de infectados não passa de 15%. A utilidade deste teste pode ser maior para subpopulações muito expostas ao vírus, tais como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, que estejam constantemente em contato próximo com pessoas infectadas. Pode também ser útil para pessoas que são “contatos” recentes de pessoas infectadas; seria como se essas pessoas pertencessem a populações com alta prevalência de imunizados (há relatos de que entre médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e trabalhadores em hospitais de uma forma geral, a prevalência de imunizados está ao redor de 20%).


Os números nos três cenários são baseados na população agregada e ignoram a história clínica que modificaria as probabilidades pré-teste. Dentro da população geral e de populações especiais, como profissionais de saúde, existem indivíduos com e sem histórico do que soa como COVID-19, incluindo aqueles sem histórico, atípico, leve, moderado e grave. Em cada um desses históricos existe uma probabilidade pré-teste diferente (isto é, uma prevalência de imunizados diferente nas figuras), que pode variar de 2 a 80%, por exemplo.



Resumo  

O teste sorológico rápido para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2 é essencial para o monitoramento: do percentual da população com anticorpos; da velocidade da expansão da epidemia ao longo do tempo; do percentual de pessoas que teve infecções assintomáticas. É inútil para o diagnóstico de pacientes em hospitais ou clínicas médicas com o objetivo de auxiliar no manuseio clínico. É inútil para a identificação de pessoas na população que estão aptas a sair do confinamento domiciliar e agilizar o reinício das atividades econômicas e sociais, quando a prevalência de imunizados é baixa (por volta de 1%); mas é útil quando a prevalência é mais alta, i.e., quando pelo menos 10% da população estão imunizadas. Este teste também é útil para pessoas que estão frequentemente expostas a pessoas infectadas ou que ficaram intimamente expostas a alguma pessoa infectada.

Portanto, o teste para detecção de anticorpos para o SARS-CoV-2 é:

Imprescindível para a vigilância epidemiológica;
- Inútil para manuseio clínico de pacientes;
- Inútil para certificado de imunidade se prevalência de imunizados for baixa;
- Útil para certificado de imunidade se prevalência de imunizados for alta (≥10%).

Aviso: Ainda não foi comprovado que os anticorpos para o SARS-CoV-2 conferem imunidade e se sim, por quanto tempo. Por isso, os valores de especificidade, sensibilidade e os cenários discutidos neste post podem não ter relevância, caso os anticorpos não confiram imunidade ou a confiram por período curto de tempo. Por enquanto, baseado em estudos com macacos e em evidência de outras viroses em humanos, presume-se que haja imunidade adquirida por pelo menos dois anos (https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/14/science.abb5793/tab-pdf).


Paulo Nadanovsky, PhD
Epidemiologista da FIOCRUZ e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Aviso: Sou epidemiologista, mas não especialista em epidemiologia de doenças infecciosas. Leciono métodos epidemiológicos no curso de doutorado e mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ, no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e no curso de graduação de medicina desta Universidade.
As opiniões neste artigo são minhas, não representam necessariamente as opiniões de outros profissionais nas minhas instituições muito menos o posicionamento oficial delas.


sábado, 18 de abril de 2020

Um mês de mortes registradas pela COVID-19 no Brasil e comparação com outros países


Rio de Janeiro, 18 de abril de 2020

No post de 7 de abril, em que descrevemos as três primeiras semanas de mortes pela COVID-19 no Brasil e em alguns outros países, expressamos algumas expectativas para aproximadamente 10 dias adiante, baseadas no ritmo de crescimento nas mortes diárias nas primeiras três semanas. No Brasil, esperávamos que este surto finalizaria o primeiro mês com menos de duzentas mortes diárias (≈175 novas mortes no 31º-33º dia). De fato, houve 203. Portanto, o ritmo foi um pouco mais rápido do que o ritmo nas três primeiras semanas indicava. Ainda com base nas primeiras três semanas, nossa expectativa era de 350 novas mortes no 43º-45º dia. Atualizando esta expectativa, com base no ritmo do crescimento até o final do primeiro mês (31º-33º dia), o número de novas mortes no 43º-45º dia pode ser um pouco menor, por volta de 300 novas mortes.

Há indicação de que Itália, Espanha e Reino Unido já atingiram o pico de seus surtos de mortes diárias. Nesses três países, o pico (i.e., o momento em que não houve mais crescimento no número de mortes diárias) ocorreu aproximadamente três semanas após o início do confinamento domiciliar. As setas verdes no gráfico apontam o momento em que foi iniciado o confinamento domiciliar em cada país. Na Itália, o confinamento iniciou na barra do 16º dia e o pico foi na barra do 37º dia (intervalo de 21 dias); na Espanha, 10º e 31º (21 dias); no Reino Unido, 19º e 37º (18 dias). Nos EUA não há indicação clara de que o pico já tenha sido atingido. Parecia que tinha sido atingido na barra do 40º dia, mas houve a mudança no critério de registro de morte associada a COVID-19 em 15 de abril (47º dia), que deve ter aumentado o número de mortes registradas (ver explicação na nota de rodapé da tabela). Se as próximas barras na série dos EUA forem mais baixas do que a barra amarela do 46º dia (aparentemente anômala devido à mudança no critério de registro), então, os EUA terão atingido o pico na barra do 40º dia, i.e., 18 dias após o início do confinamento domiciliar.

A Coreia do Sul vem mantendo desde o 10º até o 57º dia o mesmo número de novas mortes diárias, variando de três a sete. A Coreia desde o início vem testando amostras populacionais para detecção do SARS-CoV-2, identificando as pessoas com resultado positivo e isolando-as por duas ou três semanas. A Coreia em nenhum momento até o 57º dia desde a primeira morte confinou toda população em casa.



           

            = Fique em casa!



* Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de COVID-19): Brasil, Março 17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21; Espanha, Março 1; EUA, Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.

* O número diário de novas mortes é sujeito a variações aleatórias que dificultam observar claramente se a tendência é ascendente, estacionária ou descendente. Por isso, os gráficos neste post apresentam uma média de três dias para representar o número diário de novas mortes. Por exemplo, no 4º, 5º e 6º dia após a primeira morte por COVID-19 registrada no Brasil houve duas, cinco e sete novas mortes, respectivamente; a média diária então foi de 4,67 que equivale aproximadamente a 5 mortes nos dias 4-6. Dessa forma evitamos ser confundidos por oscilações aleatórias irrelevantes.

* O número limitado de testes para confirmação do diagnóstico da COVID-19, as diferenças no número de sub e sobre notificações de mortes por COVID-19 entre os países e em diferentes momentos em um mesmo país e outras dificuldades na atribuição da causa de morte, significa que o número de mortes registradas (e relatadas nos gráficos) pode não ser uma contagem acurada do verdadeiro número de mortes pela COVID-19. Por exemplo, os EUA relataram no dia 15 de abril uma mudança no critério de diagnóstico – a partir daquele dia, não haveria mais necessidade de confirmação de teste diagnóstico laboratorial (por exemplo, PCR) para classificar uma morte pela COVID-19, bastando apenas o diagnóstico clínico. Neste dia o número de novas mortes registradas pulou de 1541 no dia anterior (14 de abril) para 2408 e para 4928 no dia seguinte (16 de abril). Esses foram o 46º, 47º e 48º dias do surto naquele país (a barra amarela mais recente na série dos EUA deve ser mais saliente, pelo menos em parte, devido a esta mudança de critério de registro).



No Brasil, o confinamento iniciou na barra do 7º dia. De acordo com o padrão identificado nos outros países acompanhados aqui, o pico deveria ser atingido 18 a 21 dias depois, i.e., pelo menos na barra do 28º dia. No entanto, a barra do 31º dia foi mais alta do que a do 28º dia, indicando que, no Brasil, o pico não foi atingido três semanas após o início do confinamento domiciliar. De qualquer forma, considerando o ritmo de crescimento nas novas mortes nas três ou quatro primeiras semanas, nossa expectativa é que ainda no 43º-45º dia teremos 300 a 350 novas mortes diárias. Ou seja, mais quatro barras (aproximadamente 12 dias), antes que o Brasil atinja o pico. Existe, portanto, uma incompatibilidade nos dados. Por um lado, com base no que aconteceu nos outros países, o Brasil já deveria ter atingido o pico de novas mortes diárias três semanas após o início do confinamento domiciliar. Neste caso, o pico deveria ter acontecido na barra do 28º dia (entre 13 e 15 de abril), quando houve 136 novas mortes registradas. Por outro lado, o ritmo de crescimento de novas mortes no primeiro mês (que já contava com o confinamento domiciliar por três semanas) indica que, permanecendo as mesmas circunstâncias, chegaríamos a 300 ou 350 mortes diárias nos 43º-45º dias. O que pode explicar essa discrepância? Por que o Brasil está levando um tempo mais longo do que os outros países para atingir o pico?

Uma possibilidade é o atraso na confirmação de mortes por COVID-19 no Brasil, que pode ser maior do que nos outros países, pois há atraso nos resultados dos testes laboratoriais. Há um atraso grande no Brasil, reconhecido pelas autoridades e relatado pelos médicos. Por exemplo, pode ser que as mortes por COVID-19 registradas em um determinado dia reflitam na realidade mortes que ocorreram duas ou três semanas antes. Neste caso, pode ser que o pico de mortes diárias já tenha sido atingido, mas como muitas mortes passadas não foram ainda confirmadas, elas não contribuíram para a altura das barras passadas, mas ainda continuam a contribuir para a altura das barras atuais. Neste caso, o pico teria já de fato sido atingido, porém, por enquanto não está sendo possível detectar este fato pelos dados de registros de mortes.

Uma outra possibilidade é que a maioria das mortes registradas nas primeiras três semanas foi principalmente um reflexo dos surtos de São Paulo e Rio de Janeiro. Como o Brasil é um país com população maior, mais extenso geograficamente, mais desigual em termos socioeconômicos e educacionais e com unidades da federação possivelmente mais independentes do ponto de vista administrativo, do que os outros países (talvez com exceção dos EUA, que compartilham essas características com o Brasil), pode ser que novos surtos em outros locais começaram a influenciar o ritmo da pandemia no Brasil, de forma diferente do que foi o caso nas três primeiras semanas. Ou seja, pode ser que o Brasil venha a ter não um surto nacional, mas vários surtos locais ou regionais, cada um em um momento no tempo. Como se o Brasil pudesse ser entendido não apenas como um país, mas três ou quatro países, com surtos relativamente independentes, ou pelo menos, em momentos diferentes.

Uma terceira explicação seria uma adesão menor e/ou decrescente ao confinamento domiciliar, com o passar dos dias e das semanas. Itália, Espanha, EUA e Reino Unido “levaram um susto” quando constataram o número grande e rapidamente crescente de novas mortes diárias e com as dificuldades enfrentadas pelos serviços de saúde. As autoridades naqueles países foram firmes e consistentes na recomendação e aplicação do confinamento domiciliar, quando resolveram adotá-lo. No Brasil, como o número de mortes e transtorno dos serviços de saúde não chegaram ainda ao ponto de assustar a população e nem algumas autoridades, o confinamento domiciliar pode não ter sido respeitado de forma tão ampla como nos outros países analisados aqui. Por exemplo, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tem expressado, de forma consistente, desde o início desta pandemia, que ele não acha necessário e até mesmo não concorda com o confinamento domiciliar. Esta atitude da principal autoridade do país pode ter motivado muitas pessoas a não aderirem o confinamento. Portanto, o confinamento domiciliar no Brasil pode ter sido, na prática, algo diferente do que foi nesses outros países.

Todos os países tomaram outras atitudes para redução do contágio, tais como banimento de eventos públicos e fechamento de escolas, antes do confinamento de toda população em casa. Esses fatores variaram entre os países e influenciam também diferenças na velocidade do contágio.

A Coreia do Sul foi o país que conseguiu “achatar mais a curva” até agora. Com exceção da Coreia, o Brasil apresentou um crescimento no número de novas mortes diárias menor do que os outros países apresentaram no primeiro mês de seus surtos. Ao completar um mês após o registro da primeira morte (barra do 31º dia) o Brasil apresentou 203 novas mortes, enquanto Itália, Espanha, EUA e Reino Unido apresentaram 682, 915, 629 e 671, respectivamente. Isto sugere que, se o Brasil mantiver as mesmas circunstâncias do primeiro mês, deve apresentar uma curva mais achatada (i.e., menos mortes diárias) do que as desses outros países ao atingir o seu pico.

  

Conclusão       

O principal objetivo no momento é “achatar a curva” da epidemia. “Achatar a curva” significa reduzir a velocidade de propagação da epidemia, não necessariamente o número total de pessoas que serão infectadas. Isto é urgente neste momento para ganhar tempo. Ganhar tempo para que? Basicamente para duas coisas: o serviço de saúde se preparar aumentando a capacidade de atendimento dos doentes mais graves; os cientistas desenvolverem uma vacina e tratamentos efetivos.

Este post teve o objetivo de relatar as trajetórias da pandemia de mortes por COVID-19 em alguns países. Foram relatadas trajetórias passadas e expectativas para o futuro próximo. Não houve nenhuma tentativa de fazer modelagens para previsão no número de novas mortes com base em todos os fatores explicativos que podem influenciar a trajetória. Por exemplo, o tamanho da população, a densidade demográfica, o número básico de reprodução da doença (o número médio de pessoas que é infectado por uma pessoa infectada pelo SARS-CoV-2), o nível de interação física entre as pessoas, a quantidade de habitantes por domicílio, as políticas de afastamento físico incluindo a confinamento residencial de toda a população, entre vários outros fatores que influenciam a trajetória no número de novas mortes diárias, não foram considerados. O leitor que quiser conhecer modelos de predição sofisticados pode consultar várias fontes, inclusive o Imperial College (https://www.imperial.ac.uk/about/covid-19/our-response/).

Continuaremos a atualizar essas análises de tendências para ajudar a divulgar a velocidade da propagação da epidemia no Brasil em comparação com outros países.


Paulo Nadanovsky, PhD.

Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.