Rio de Janeiro, 18 de abril de 2020
No post de 7 de abril, em que
descrevemos as três primeiras semanas de mortes pela COVID-19 no Brasil e em
alguns outros países, expressamos algumas expectativas para aproximadamente 10
dias adiante, baseadas no ritmo de crescimento nas mortes diárias nas primeiras
três semanas. No Brasil, esperávamos que este surto finalizaria o primeiro mês
com menos de duzentas mortes diárias (≈175 novas mortes no 31º-33º dia). De
fato, houve 203. Portanto, o ritmo foi um pouco mais rápido do que o ritmo nas
três primeiras semanas indicava. Ainda com base nas primeiras três semanas,
nossa expectativa era de 350 novas mortes no 43º-45º dia. Atualizando esta
expectativa, com base no ritmo do crescimento até o final do primeiro mês (31º-33º
dia), o número de novas mortes no 43º-45º dia pode ser um pouco menor, por
volta de 300 novas mortes.
Há indicação de que Itália, Espanha e
Reino Unido já atingiram o pico de seus surtos de mortes diárias. Nesses três
países, o pico (i.e., o momento em que não houve mais crescimento no número de
mortes diárias) ocorreu aproximadamente três semanas após o início do
confinamento domiciliar. As setas verdes no gráfico apontam o momento em que
foi iniciado o confinamento domiciliar em cada país. Na Itália, o confinamento
iniciou na barra do 16º dia e o pico foi na barra do 37º dia (intervalo de 21
dias); na Espanha, 10º e 31º (21 dias); no Reino Unido, 19º e 37º (18 dias).
Nos EUA não há indicação clara de que o pico já tenha sido atingido. Parecia
que tinha sido atingido na barra do 40º dia, mas houve a mudança no critério de
registro de morte associada a COVID-19 em 15 de abril (47º dia), que deve ter
aumentado o número de mortes registradas (ver explicação na nota de rodapé da
tabela). Se as próximas barras na série dos EUA forem mais baixas do que a
barra amarela do 46º dia (aparentemente anômala devido à mudança no critério de
registro), então, os EUA terão atingido o pico na barra do 40º dia, i.e., 18
dias após o início do confinamento domiciliar.
A Coreia do Sul vem mantendo desde o
10º até o 57º dia o mesmo número de novas mortes diárias, variando de três a sete. A Coreia desde o início vem testando amostras populacionais para detecção
do SARS-CoV-2, identificando as pessoas com resultado positivo e isolando-as
por duas ou três semanas. A Coreia em nenhum momento até o 57º dia desde a
primeira morte confinou toda população em casa.
* Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de
COVID-19): Brasil, Março 17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21;
Espanha, Março 1; EUA, Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.
* O número diário de novas mortes é sujeito a variações
aleatórias que dificultam observar claramente se a tendência é ascendente,
estacionária ou descendente. Por isso, os gráficos neste post apresentam uma
média de três dias para representar o número diário de novas mortes. Por
exemplo, no 4º, 5º e 6º dia após a primeira morte por COVID-19 registrada no
Brasil houve duas, cinco e sete novas mortes, respectivamente; a média diária
então foi de 4,67 que equivale aproximadamente a 5 mortes nos dias 4-6. Dessa
forma evitamos ser confundidos por oscilações aleatórias irrelevantes.
* O número limitado de testes para confirmação do diagnóstico
da COVID-19, as diferenças no número de sub e sobre notificações de mortes por
COVID-19 entre os países e em diferentes momentos em um mesmo país e outras
dificuldades na atribuição da causa de morte, significa que o número de mortes
registradas (e relatadas nos gráficos) pode não ser uma contagem acurada do
verdadeiro número de mortes pela COVID-19. Por exemplo, os EUA relataram no dia
15 de abril uma mudança no critério de diagnóstico – a partir daquele dia, não haveria
mais necessidade de confirmação de teste diagnóstico laboratorial (por exemplo,
PCR) para classificar uma morte pela COVID-19, bastando apenas o diagnóstico
clínico. Neste dia o número de novas mortes registradas pulou de 1541 no dia
anterior (14 de abril) para 2408 e para 4928 no dia seguinte (16 de abril).
Esses foram o 46º, 47º e 48º dias do surto naquele país (a barra amarela mais
recente na série dos EUA deve ser mais saliente, pelo menos em parte, devido a
esta mudança de critério de registro).
No Brasil, o confinamento iniciou na
barra do 7º dia. De acordo com o padrão identificado nos outros países
acompanhados aqui, o pico deveria ser atingido 18 a 21 dias depois, i.e., pelo
menos na barra do 28º dia. No entanto, a barra do 31º dia foi mais alta do que
a do 28º dia, indicando que, no Brasil, o pico não foi atingido três semanas
após o início do confinamento domiciliar. De qualquer forma, considerando o
ritmo de crescimento nas novas mortes nas três ou quatro primeiras semanas,
nossa expectativa é que ainda no 43º-45º dia teremos 300 a 350 novas mortes
diárias. Ou seja, mais quatro barras (aproximadamente 12 dias), antes que o
Brasil atinja o pico. Existe, portanto, uma incompatibilidade nos dados. Por um
lado, com base no que aconteceu nos outros países, o Brasil já deveria ter
atingido o pico de novas mortes diárias três semanas após o início do
confinamento domiciliar. Neste caso, o pico deveria ter acontecido na barra do
28º dia (entre 13 e 15 de abril), quando houve 136 novas mortes registradas.
Por outro lado, o ritmo de crescimento de novas mortes no primeiro mês (que já
contava com o confinamento domiciliar por três semanas) indica que,
permanecendo as mesmas circunstâncias, chegaríamos a 300 ou 350 mortes diárias nos
43º-45º dias. O que pode explicar essa discrepância? Por que o Brasil está
levando um tempo mais longo do que os outros países para atingir o pico?
Uma possibilidade é o atraso na
confirmação de mortes por COVID-19 no Brasil, que pode ser maior do que nos
outros países, pois há atraso nos resultados dos testes laboratoriais. Há um
atraso grande no Brasil, reconhecido pelas autoridades e relatado pelos
médicos. Por exemplo, pode ser que as mortes por COVID-19 registradas em um
determinado dia reflitam na realidade mortes que ocorreram duas ou três semanas
antes. Neste caso, pode ser que o pico de mortes diárias já tenha sido
atingido, mas como muitas mortes passadas não foram ainda confirmadas, elas não
contribuíram para a altura das barras passadas, mas ainda continuam a
contribuir para a altura das barras atuais. Neste caso, o pico teria já de fato
sido atingido, porém, por enquanto não está sendo possível detectar este fato
pelos dados de registros de mortes.
Uma outra possibilidade é que a
maioria das mortes registradas nas primeiras três semanas foi principalmente um
reflexo dos surtos de São Paulo e Rio de Janeiro. Como o Brasil é um país com
população maior, mais extenso geograficamente, mais desigual em termos
socioeconômicos e educacionais e com unidades da federação possivelmente mais
independentes do ponto de vista administrativo, do que os outros países (talvez
com exceção dos EUA, que compartilham essas características com o Brasil), pode
ser que novos surtos em outros locais começaram a influenciar o ritmo da
pandemia no Brasil, de forma diferente do que foi o caso nas três primeiras
semanas. Ou seja, pode ser que o Brasil venha a ter não um surto nacional, mas
vários surtos locais ou regionais, cada um em um momento no tempo. Como se o
Brasil pudesse ser entendido não apenas como um país, mas três ou quatro
países, com surtos relativamente independentes, ou pelo menos, em momentos
diferentes.
Uma terceira explicação seria uma
adesão menor e/ou decrescente ao confinamento domiciliar, com o passar dos dias
e das semanas. Itália, Espanha, EUA e Reino Unido “levaram um susto” quando
constataram o número grande e rapidamente crescente de novas mortes diárias e
com as dificuldades enfrentadas pelos serviços de saúde. As autoridades
naqueles países foram firmes e consistentes na recomendação e aplicação do
confinamento domiciliar, quando resolveram adotá-lo. No Brasil, como o número
de mortes e transtorno dos serviços de saúde não chegaram ainda ao ponto de
assustar a população e nem algumas autoridades, o confinamento domiciliar pode
não ter sido respeitado de forma tão ampla como nos outros países analisados
aqui. Por exemplo, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, tem expressado, de
forma consistente, desde o início desta pandemia, que ele não acha necessário e
até mesmo não concorda com o confinamento domiciliar. Esta atitude da principal
autoridade do país pode ter motivado muitas pessoas a não aderirem o
confinamento. Portanto, o confinamento domiciliar no Brasil pode ter sido, na
prática, algo diferente do que foi nesses outros países.
Todos os países tomaram outras
atitudes para redução do contágio, tais como banimento de eventos públicos e
fechamento de escolas, antes do confinamento de toda população em casa. Esses
fatores variaram entre os países e influenciam também diferenças na velocidade
do contágio.
A Coreia do Sul foi o país que
conseguiu “achatar mais a curva” até agora. Com exceção da Coreia, o Brasil apresentou
um crescimento no número de novas mortes diárias menor do que os outros países
apresentaram no primeiro mês de seus surtos. Ao completar um mês após o
registro da primeira morte (barra do 31º dia) o Brasil apresentou 203 novas
mortes, enquanto Itália, Espanha, EUA e Reino Unido apresentaram 682, 915, 629
e 671, respectivamente. Isto sugere que, se o Brasil mantiver as mesmas circunstâncias
do primeiro mês, deve apresentar uma curva mais achatada (i.e., menos mortes
diárias) do que as desses outros países ao atingir o seu pico.
Conclusão
O principal objetivo no momento é
“achatar a curva” da epidemia. “Achatar a curva” significa reduzir a velocidade
de propagação da epidemia, não necessariamente o número total de pessoas que
serão infectadas. Isto é urgente neste momento para ganhar tempo. Ganhar tempo
para que? Basicamente para duas coisas: o serviço de saúde se preparar
aumentando a capacidade de atendimento dos doentes mais graves; os cientistas
desenvolverem uma vacina e tratamentos efetivos.
Este post teve o objetivo de relatar
as trajetórias da pandemia de mortes por COVID-19 em alguns países. Foram
relatadas trajetórias passadas e expectativas para o futuro próximo. Não houve
nenhuma tentativa de fazer modelagens para previsão no número de novas mortes
com base em todos os fatores explicativos que podem influenciar a trajetória.
Por exemplo, o tamanho da população, a densidade demográfica, o número básico de
reprodução da doença (o número médio de pessoas que é infectado por uma pessoa
infectada pelo SARS-CoV-2), o nível de interação física entre as pessoas, a
quantidade de habitantes por domicílio, as políticas de afastamento físico
incluindo a confinamento residencial de toda a população, entre vários outros
fatores que influenciam a trajetória no número de novas mortes diárias, não
foram considerados. O leitor que quiser conhecer modelos de predição
sofisticados pode consultar várias fontes, inclusive o Imperial College (https://www.imperial.ac.uk/about/covid-19/our-response/).
Continuaremos a atualizar essas
análises de tendências para ajudar a divulgar a velocidade da propagação
da epidemia no Brasil em comparação com outros países.
Paulo Nadanovsky, PhD.
Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
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