quarta-feira, 1 de abril de 2020

O número cumulativo de mortes por COVID-19 - Brasil em comparação com outros países - 1 de Abril de 2020









* Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de COVID-19): Brasil, Março 17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21; Espanha, Março 1; EUA, Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.

Interpretação dos dados

O principal objetivo no momento é “achatar a curva” da epidemia. “Achatar a curva” significa reduzir a velocidade de propagação da epidemia (não necessariamente o número total de pessoas que serão afetadas). Para saber se a curva no Brasil está sendo achatada é necessário ter algum parâmetro de comparação, i.e., alguma outra curva com a qual comparar a curva no Brasil.
As figuras revelam a situação no Brasil em comparação com a de outros países (as figuras de barras e linhas relatam os mesmos dados – somente os formatos são diferentes). Ao completar 17 dias desde a primeira morte registrada por COVID-19, a Espanha se destaca com a curva menos achatada enquanto a Coreia do Sul com a mais achatada; a Espanha com 831 e a Coreia com 48 mortes. No 17º dia do surto de mortes já ficou claro que a curva no Brasil está mais achatada em relação à Itália e Espanha e menos achatada em relação à Coreia do Sul. Para comparar a curva no Brasil com EUA e Reino Unido, fizemos os dois últimos gráficos excluindo Espanha e Itália; assim conseguimos visualizar mais claramente as linhas desses países.  
Os EUA apresentam uma curva mais achatada do que o Brasil, mas no 14º dia do registro da primeira morte o Brasil mostrou um desvio para baixo enquanto os EUA um desvio para cima da curva. Isto sugere que a partir do 14º dia a velocidade do acúmulo de mortes por COVID-19 começou a diminuir no Brasil e a aumentar nos EUA. O Reino Unido apresentou uma curva mais achatada que o Brasil até o 10º dia, mas desde então a curva britânica vem se erguendo até que no 17º dia o número de mortes acumuladas pela COVID-19 foi similar nesses dois países, i.e., 240 e 233 no Brasil e Reino Unido, respectivamente. Isto sugere que a velocidade com que as mortes por COVID-19 estão se acumulando no Reino Unido está maior do que no Brasil. Se essas tendências permanecerem, a curva no Brasil deve ser mais achatada do que as curvas nos EUA e no Reino Unido.

Considerações metodológicas

Provavelmente, em países que iniciaram o surto mais cedo, houve mais mortes pela COVID-19 que não foram registradas como tal (subnotificação de mortes pela COVID-19), pois os médicos não estavam ainda tão alertados sobre esta doença como os médicos em países onde o surto iniciou mais tarde. Por isso, na comparação entre o Brasil (surto mais tardio) e a Coreia do Sul por exemplo, deve se considerar a possibilidade de subnotificação de morte pela COVID-19 na Coreia mais do que no Brasil. Difícil saber quão alertas estavam os médicos em cada um desses países e se houve diferença neste aspecto entre eles.
De qualquer forma, na medida em que os dias foram passando, provavelmente o nível de atenção deve ter ficado similar nos países investigados aqui. Como as mortes começaram a acontecer depois dos surtos serem detectados através de sintomas clínicos e testes diagnósticos, provavelmente a subnotificação é um problema menor na definição de um caso de óbito do que na definição de um caso de infecção.  
Continuaremos a atualizar esses dados para ajudar a estimar e a divulgar a velocidade da propagação da epidemia no Brasil em comparação com esses outros países.

Paulo Nadanovsky, PhD.
Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


5 comentários:

  1. Para esta comparacao houve uma padronizacao segundo o numero de populacao ou foram dados absolutos. Obrigada!

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    1. Esta é uma dúvida muito pertinente, que vários pessoas, inclusive médicos, me perguntaram. Aqui vai a resposta.

      Curvas de mortes acumuladas pela COVID-19 utilizando números brutos sem considerar o tamanho da população de cada país. Está certo isso?

      Se o objetivo da análise for estimar o risco de morrer da COVID-19 se a pessoa for residente em um determinado país, em um determinado momento no tempo, o tamanho da população importa muito; três mil mortes em um período de 20 dias em uma população de um bilhão de pessoas significa um risco menor do que o mesmo número de mortes num mesmo período de tempo em um país com população de 50 milhões de pessoas. No entanto, se o objetivo for estimar a velocidade com que o número de mortes por COVID-19 está aumentando ou diminuindo, o tamanho da população não importa (pode até ser que a densidade demográfica, ou até mesmo o número de pessoas em um determinado país, influencie a velocidade, mas essas são hipóteses sobre causas).

      A velocidade pode ser maior ou menor em diferentes países por várias razões: distribuição etária na população; densidade demográfica; momento em que escolas e comércio foram fechados; número de pessoas com o vírus que ficou em casa por três semanas; número de mortes não notificadas; tempo que leva para resultado dos testes serem obtidos; etc.

      Parece útil observarmos a velocidade em diferentes países (i.e., o “achatamento da curva” em um país em relação a outros países), para nos ajudar a considerar as várias hipóteses causais, inclusive artefatos estatísticos, tais como diferenças no tempo de resultado do teste e no número de mortes não notificadas.

      Voltando à pergunta inicial; sim está correto observar as curvas dos números brutos de mortes se o objetivo for estimar a velocidade do acúmulo de mortes registradas em cada país. Além de estar correto, parece mais útil do que estimar o risco de morrer (I.e., considerar o tamanho da população); o risco de morrer em um momento no tempo no meio de uma pandemia que se alastra rapidamente é menos informativo (menos relevante) do que a velocidade da propagação, pois o risco muda todo dia de acordo com a velocidade de propagação (Por exemplo, a Espanha passou de dezenas para milhares de mortes em poucos dias). Por isso neste momento parece mais relevante ficarmos atentos à velocidade de propagação do que ao risco em cada momento.

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  2. Excelente análise.
    Que comentários podem ser feitos sobre o impacto do acesso limitado a testagem e o fenômeno da subnotificação sobre a curva brasileira?
    Sabemos que muitas mortes por síndrome respiratórias aguda só serão contabilizadas tardiamente

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    1. Sim, é difícil saber quais são as diferenças entre países no número de subnotificações de mortes pela COVID-19. Na França por exemplo ouvi que eles não estão registrando mortes em casa ou em outros locais que não sejam hospitais (quanto isso representa de subnotificação na França?). O Brasil desde o começo está priorizando testes de pessoas hospitalizadas com suspeita de COVID-19. Então, ainda que possa haver casos de mortes por esta doença não notificados, os casos de mortes notificados devem dar uma ideia aproximada da velocidade do surto. Os atrasos nos resultados dos testes, que redundam em contabilização tardia das mortes por COVID-19, houve um pesquisador aqui da Fiocruz que disse acreditar que os dados de hoje no Brasil refletem a realidade de sete dias atrás. De qualquer forma, os atrasos serão registrados em algum momento (aí aparecerá uma inclinação aguda na curva para cima - vamos acompanhando). Difícil saber como esse aspecto difere entre os países. Estamos ainda banstante no escuro.

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