quarta-feira, 8 de abril de 2020

Número diário registrado de novas mortes pela COVID-19 nas três primeiras semanas após a primeira morte registrada pela COVID-19


Número diário registrado de novas mortes pela COVID-19 (média três dias) - Brasil em comparação com outros países em relação às três primeiras semanas após a primeira morte registrada pela COVID-19

Rio de Janeiro, 7 de abril de 2020


Completamos hoje três semanas desde que a primeira morte por COVID-19 foi registrada no Brasil, em 17 de março de 2020.  Já é possível vislumbrar uma mudança de tendências em alguns países que iniciaram esta pandemia mais cedo, com uma redução na velocidade de incidência de novas mortes.

Interpretação dos dados

Comparação do surto entre os países

A primeira figura deste post (todos os países juntos) revela que a Itália começou a diminuir o número diário de novas mortes. Na Itália parece que o ápice das mortes pela epidemia da COVID-19 foi por volta do 40º dia após o registro da primeira morte naquele país.
A Espanha ainda sofre um aumento no número diário de novas mortes, porém em uma velocidade mais baixa. Esta redução da velocidade parece estar ocorrendo desde um pouco depois da terceira semana desde o registro da primeira morte naquele país. Na Itália esta redução na velocidade parece ter iniciado somente a partir da quarta semana desde o registro da primeira morte.
Esta mesma figura mostra que nos EUA, Reino Unido e Brasil a pandemia continua aumentando na mesma velocidade, embora esses países estejam em momentos diferentes de seus respectivos surtos: os EUA já no 36º dia com 1026 mortes diárias, o Reino Unido no 33º dia com 671 mortes diárias e o Brasil ainda no 21º dia após o registro da primeira morte, com 62 mortes diárias.
A Coreia do Sul vem mantendo desde o 10º até o 45º dia o mesmo número de novas mortes diárias, variando de três as sete.


* Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de COVID-19): Brasil, Março 17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21; Espanha, Março 1; EUA, Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.


* O número diário de novas mortes é sujeito a variações aleatórias que dificultam observar claramente se a tendência é ascendente, estacionária ou descendente. Por isso, os gráficos neste post apresentam uma média de três dias para representar o número diário de novas mortes. Por exemplo, no 4º, 5º e 6º dia após a primeira morte por COVID-19 registrada no Brasil houve duas, cinco e sete novas mortes, respectivamente; a média diária então foi de 4,67 que equivale aproximadamente a 5 mortes nos dias 4-6. Dessa forma evitamos ser confundidos por oscilações aleatórias irrelevantes.

* O número limitado de testes para confirmação do diagnóstico da COVID-19, as diferenças no número de sub e sobre notificações de mortes por COVID-19 entre os países e em diferentes momentos em um mesmo país e outras dificuldades na atribuição da causa de morte, significa que o número de mortes registradas (e relatadas nos gráficos) pode não ser uma contagem acurada do verdadeiro número de mortes pela COVID-19.





Comparação da trajetória prevista inicialmente com a trajetória realizada posteriormente

Vamos agora observar mais detalhadamente a trajetória em cada um desses países nos gráficos seguintes.
Há dois gráficos para cada país, o de cima com os dados reais (barras) do que aconteceu até o presente (7 de abril de 2020) e o de baixo com os dados reais (barras) do que aconteceu nas primeiras três semanas da epidemia em cada país (até o 21º dia após o registro da primeira morte por COVID-19 no país) complementados por uma previsão (linha pontilhada) do que esperava-se que acontecesse após as três primeiras semanas. No Brasil a epidemia começou mais tarde, por isso só há dados reais para as três primeiras semanas.
O atrativo dessa forma de representar os dados está na possibilidade de fazermos previsões para o futuro com base no que aconteceu nas primeiras três semanas e comparar essas previsões com os dados reais do “futuro”, pois o “futuro” desta pandemia já aconteceu em alguns países, mas não aconteceu ainda no Brasil.
Por exemplo, na Itália, com base no que aconteceu nas três primeiras semanas foram previstas 550 novas mortes no 33º dia (12 dias depois do final da terceira semana) e de fato a realidade foi similar, com 682 mortes (a previsão subestimou um pouco o número de mortes). No entanto, no 45º dia (aproximadamente três semanas depois) a previsão superestimou acentuadamente o número de mortes: 1.150 ao invés das 735 que de fato ocorreram. Alguma mudança importante nas circunstâncias ocorreu para causar esta mudança de direção na trajetória (ou seja, a grande diferença entre a trajetória prevista e a trajetória de fato realizada). Esta superestimação já podia ser detectada no 39º dia. Considerando o tempo de incubação do novo coronavirus e o tempo de agravamento da COVID-19 nas pessoas que fazem um quadro grave e acabam morrendo (por volta de três semanas), essas mudanças nas circunstâncias devem ter ocorrido por volta de três semanas antes do 39º dia, i.e., por volta do 18º dia, mas não antes disso (pois a previsão para o 33º dia foi dentro do esperado, sem nenhuma superestimação). O 18º dia corresponde ao dia 9 de março de 2020, que foi quando a Itália confinou as pessoas em suas casas (marcado no gráfico com a seta verde). Isto sugere que o confinamento em casa reduziu substancialmente a velocidade de epidemia três semanas à frente, mas não antes disso.



Previsão 550 novas mortes no 31º-33º dia; Realidade = 682 novas mortes no 31º-33º dia.
Previsão 1.150 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = 735 novas mortes no 43º-45º dia.


      
  = Fique em casa!



Na Espanha, as três primeiras semanas levaram a uma previsão de 2.300 novas mortes no 45º dia. Ainda não é possível comparar esta previsão com os dados reais, pois a Espanha ainda está no 33º dia do seu surto de mortes. No entanto já há forte indicação de que este número será uma superestimação substancial, assim como foi na Itália, pois já houve alguma superestimação na previsão do 33º dia, de 1.100 ao invés das 915 mortes que de fato aconteceram. Assim como no surto na Itália, algo deve ter mudado três semanas antes, por volta do 12º dia, mas não antes disso. O 12º dia do surto de mortes na Espanha corresponde ao dia 14 de março de 2020, que foi quando a Espanha confinou as pessoas em suas casas (seta verde no gráfico).


Previsão 1.100 novas mortes no 31º-33º dia; Realidade = 915 novas mortes no 31º-33º dia.
   Previsão 2.300 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.



Nos EUA o que mais chamou atenção foi uma mudança repentina entre o 21º e o 24º dia desde a primeira morte registrada. Do 9º ao 12º ao 15º ao 18º ao 21º dia o número de novas mortes dobrou aproximadamente (de 2 a 4 a 6 a 13 e 22). No entanto, do 21º ao 24º passou de 22 a 107 mortes, ou seja, quase quintuplicou. A partir daí voltou a crescer novamente próximo ao ritmo das três primeiras semanas (menos um pouco do que dobrando em cada ponto subsequente). Esta mudança abrupta neste momento no tempo foi responsável pela enorme subestimação do número de mortes no 33º dia com base na trajetória registrada nas três primeiras semanas. Acreditamos que este fato se deve a algum artefato estatístico e não a uma mudança real repentina no número de mortes  – uma mudança no critério de diagnóstico da COVID-19 por exemplo. Uma hipótese plausível é que houve uma redução na subnotificação de mortes pela COVID-19 a partir daquele momento, com os médicos no país tornando-se mais atentos para a COVID-19 como causa de morte. A favor desta hipótese está o fato de que o crescimento no número de novas mortes registradas pela COVID-19 nos EUA durante as três primeiras semanas da epidemia de mortes por esta doença foi menor do que nos outros países; nos EUA cresceu de 3 a 22 mortes enquanto no Brasil, Reino Unido, Itália e Espanha cresceu de 1 a 62, 1 a 63, 3 a 154 e 1 a 318, respectivamente. Uma outra possibilidade é a chegada repentina nos EUA de um grupo de pessoas infectadas que foram super transmissores ou algum evento de grande aglomeração por volta de três semanas antes daquele momento (i.e., por volta do dia 1 de março de 2020). Nos EUA o confinamento em casa foi iniciado somente no 23º dia depois da primeira morte registrada (em 22 de março de 2020 – pelo menos em Nova York) então ainda não houve tempo suficiente para o gráfico dos EUA neste post detectar alguma mudança na trajetória das mortes devido a ele. Se houver alguma mudança na trajetória devido ao confinamento iniciado em 22 de março ela só será detectada por volta de três semanas após o início do confinamento, i.e., no 44º dia (a partir de 12 de abril de 2020).



Previsão 65 novas mortes no 31º-33º dia; Realidade = 629 novas mortes no 31º-33º dia.
Previsão 140 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.



As primeiras três semanas no Reino Unido sugeriam uma epidemia menos agressiva do que acabou se concretizando já dez dias depois; o gráfico mostra uma subestimação da ordem de três vezes (uma previsão de 200 mortes, mas na realidade foram 671 mortes no 33º dia). Assim como nos EUA, uma explicação plausível para esta subestimação é a subnotificação de mortes pela COVID-19 que pode ter ocorrido nas primeiras três semanas do surto de mortes. Também como nos EUA, o Reino Unido ainda não chegou ao 45º dia do surto então não podemos comparar a previsão de 425 mortes neste dia com o número real de mortes. No entanto, já parece que esta previsão seja uma grande subestimação, dado que já houve 671 mortes no 33º dia e nenhum sinal ainda de mudança de trajetória. No Reino Unido o confinamento em casa foi iniciado no 19º dia depois da primeira morte registrada, em 23 de março de 2020, então se houver alguma mudança na trajetória devido ao confinamento ela só será detectada a partir do 40º dia, por volta de 13 de abril de 2020.


Previsão 200 novas mortes no 31º-33º dia; Realidade = 671 novas mortes no 31º-33º dia.
               Previsão 425 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.



Na Coreia do Sul as três primeiras semanas sugeriam que as mortes diárias permaneceriam em menos de 10 no 33º dia e também no 45º dia, o que de fato se concretizou. Isso sugere que as circunstâncias das primeiras três semanas permaneceram similares nas semanas seguintes até o 45º dia. A Coreia desde o início vem testando amostras populacionais grandes para detecção do novo coronavírus, identificando as pessoas com resultado positivo e isolando-as por duas ou três semanas. A Coreia em nenhum momento até o 45º dia desde a primeira morte confinou toda população em casa.



Previsão <10 novas mortes no 31º-33º dia; Realidade = 4 novas mortes no 31º-33º dia.
Previsão <10 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = 5 novas mortes no 43º-45º dia.


 Discussão sobre perspectivas para a pandemia no Brasil
             
O futuro do surto no Brasil após as primeiras três semanas que se completam hoje é incerto, pois obviamente o futuro ainda não ocorreu. No entanto, é menos incerto do que foi o futuro para os países que enfrentaram esta pandemia antes. O Brasil pode observar as previsões que foram feitas para os outros países e comparar com o que aconteceu de fato, pois o “futuro” naqueles países já aconteceu. É como se o Brasil tivesse a oportunidade de escolher o seu futuro, diante das alternativas disponíveis reveladas pelos outros países. Por exemplo, um fator que parece determinante das trajetórias é o confinamento de toda a população em casa. Os EUA e o Reino Unido incialmente optaram por não confinar toda a população em casa, no entanto, ao observar o “futuro” em países como Itália e Espanha, e notarem um aumento rápido na velocidade da pandemia em suas próprias populações, mudaram de ideia e tomaram esta atitude no 23º dia, quando os EUA registraram 107 mortes diárias e 19º dia, quando o Reino Unido registrou 63 mortes diárias, desde o início do surto de mortes.
A Itália e a Espanha confinaram a população no 18º e 12º dia, quando registraram 73 e 29 mortes diárias, respectivamente. Ou seja, a prevenção mais radical do contágio iniciou mais cedo no surto da Espanha (no 12º dia quando foram registradas 29 mortes diárias) e mais tarde no surto dos EUA (no 23º dia quando foram registradas 107 mortes). Se o confinamento de toda a população em casa for de fato decisivo para mudar mais rapidamente a trajetória da pandemia, EUA e Reino Unido devem sofrer um número maior de novas mortes diárias do que Itália e Espanha sofreram antes da inversão de suas trajetórias, pois iniciaram o confinamento mais tardiamente durante seus respectivos surtos. 
Todos os países tomaram outras atitudes para redução do contágio, tais como banimento de eventos públicos e fechamento de escolas, antes do confinamento de toda população em casa. Esses fatores variaram entre os países e influenciam também diferenças na velocidade do contágio.
O Brasil confinou toda a população (pelo menos em São Paulo e no Rio de Janeiro) em 24 de março de 2020 (no 8º dia depois da primeira morte, quando foram registradas 9 mortes diárias). A previsão de 175 e 350 novas mortes diárias no 33º e 45º dia, respectivamente, já conta, portanto, com o efeito do confinamento de toda a população (pelo menos parcialmente); o confinamento tem efeito imediato no contágio, então entre o 8º e o 21º dia do surto no Brasil (duas das primeiras três semanas desde a primeira morte registrada), já espera-se que tenha havido uma redução do contágio devido ao confinamento. Qualquer mudança nessas circunstâncias alterará as previsões feitas aqui para o 33º e 45º dias, com base no que aconteceu nas três primeiras semanas do surto de mortes no Brasil. Por exemplo, se houver uma redução ou um aumento no confinamento das pessoas em casa. Se houver alguma redução na velocidade no surto de novas mortes diárias devido ao confinamento ela já será detectada a partir do 29º dia do surto de mortes no Brasil, i.e., por volta de 14 de abril de 2020.




Previsão 175 novas mortes no 31º-33º dia; Realidade = ? novas mortes no 31º-33º dia.
Previsão 350 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.




Conclusão       

Este post teve o objetivo de relatar as trajetórias da pandemia de mortes por COVID-19 em alguns países. Foram relatadas trajetórias passadas e previsões para o futuro. O único fator explicativo considerado nesta análise foi o número diário registrado de novas mortes pela COVID-19 nas três primeiras semanas após o registro da primeira morte. Não houve nenhuma tentativa de fazer modelagens para previsão no número de novas mortes com base em todos os fatores explicativos que podem influenciar a trajetória. Por exemplo, o tamanho da população, a densidade demográfica, o número básico de reprodução da doença (o número de pessoas que é infectado por uma pessoa infectada pelo novo coronavírus), o nível de interação física entre as pessoas, a quantidade de habitantes por domicílio, as políticas de afastamento físico incluindo a confinamento residencial de toda a população, entre vários outros fatores que influenciam a trajetória no número de novas mortes diárias, não foram considerados. O leitor que quiser conhecer modelos de predição mais sofisticados pode consultar várias fontes, inclusive o Imperial College (https://www.imperial.ac.uk/about/covid-19/our-response/).
O único outro fator explicativo considerado nas discussões neste post (além da incidência diária de mortes nas três primeiras semanas após a primeira morte registrada) foi o confinamento de toda população em casa. Mesmo assim, ele só foi considerado na discussão, mas não na linha de tendência usada para fazer as previsões.
O objetivo deste post é compartilhar uma forma de raciocinar sobre as trajetórias desta pandemia, focando nos pontos e em alguns países que me parecem mais relevantes para acompanhar e refletir sobre a trajetória deste surto de mortes por COVID-19 no Brasil.
 Continuaremos a atualizar essas análises de tendências para ajudar a divulgar a velocidade da propagação da epidemia no Brasil em comparação com outros países.


Paulo Nadanovsky, PhD.

Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


2 comentários:

  1. Obrigada, as suas interpretações tem sido hiper esclarecedoras e acessíveis num momento tão confuso. Valeu! Até o próximo. Bjsss

    ResponderExcluir