Número diário registrado de novas
mortes pela COVID-19 (média três dias) - Brasil em comparação com outros países
em relação às três primeiras semanas após a primeira morte registrada pela
COVID-19
Rio de Janeiro, 7 de abril de 2020
Completamos
hoje três semanas desde que a primeira morte por COVID-19 foi registrada no
Brasil, em 17 de março de 2020. Já é
possível vislumbrar uma mudança de tendências em alguns países que iniciaram
esta pandemia mais cedo, com uma redução na velocidade de incidência de novas
mortes.
Interpretação dos dados
Comparação do surto entre os países
A primeira figura deste post (todos
os países juntos) revela que a Itália começou a diminuir o número diário de
novas mortes. Na Itália parece que o ápice das mortes pela epidemia da COVID-19
foi por volta do 40º dia após o registro da primeira morte naquele país.
A Espanha ainda sofre um aumento no
número diário de novas mortes, porém em uma velocidade mais baixa. Esta redução
da velocidade parece estar ocorrendo desde um pouco depois da terceira semana desde o registro da primeira morte naquele país. Na
Itália esta redução na velocidade parece ter iniciado somente a partir da quarta
semana desde o registro da primeira morte.
Esta mesma figura mostra que nos EUA,
Reino Unido e Brasil a pandemia continua aumentando na mesma velocidade, embora
esses países estejam em momentos diferentes de seus respectivos surtos: os EUA
já no 36º dia com 1026 mortes diárias, o Reino Unido no 33º dia com 671 mortes
diárias e o Brasil ainda no 21º dia após o registro da primeira morte, com 62
mortes diárias.
A Coreia do Sul vem mantendo desde o
10º até o 45º dia o mesmo número de novas mortes diárias, variando de três as
sete.
*
Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de COVID-19): Brasil, Março
17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21; Espanha, Março 1; EUA,
Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.
* O número limitado de testes para confirmação
do diagnóstico da COVID-19, as diferenças no número de sub e sobre notificações
de mortes por COVID-19 entre os países e em diferentes momentos em um mesmo
país e outras dificuldades na atribuição da causa de morte, significa que o
número de mortes registradas (e relatadas nos gráficos) pode não ser uma
contagem acurada do verdadeiro número de mortes pela COVID-19.
* O número diário de novas mortes é sujeito a variações
aleatórias que dificultam observar claramente se a tendência é ascendente,
estacionária ou descendente. Por isso, os gráficos neste post apresentam uma
média de três dias para representar o número diário de novas mortes. Por
exemplo, no 4º, 5º e 6º dia após a primeira morte por COVID-19 registrada no
Brasil houve duas, cinco e sete novas mortes, respectivamente; a média diária
então foi de 4,67 que equivale aproximadamente a 5 mortes nos dias 4-6. Dessa forma
evitamos ser confundidos por oscilações aleatórias irrelevantes.
Comparação da trajetória prevista inicialmente com a
trajetória realizada posteriormente
Vamos agora observar mais
detalhadamente a trajetória em cada um desses países nos gráficos seguintes.
Há dois gráficos para cada país, o de
cima com os dados reais (barras) do que aconteceu até o presente (7 de abril de
2020) e o de baixo com os dados reais (barras) do que aconteceu nas primeiras
três semanas da epidemia em cada país (até o 21º dia após o registro da
primeira morte por COVID-19 no país) complementados por uma previsão (linha
pontilhada) do que esperava-se que acontecesse após as três primeiras semanas.
No Brasil a epidemia começou mais tarde, por isso só há dados reais para as
três primeiras semanas.
O atrativo dessa forma de representar
os dados está na possibilidade de fazermos previsões para o futuro com base no
que aconteceu nas primeiras três semanas e comparar essas previsões com os
dados reais do “futuro”, pois o “futuro” desta pandemia já aconteceu em alguns
países, mas não aconteceu ainda no Brasil.
Por exemplo, na Itália, com base no
que aconteceu nas três primeiras semanas foram previstas 550 novas mortes no
33º dia (12 dias depois do final da terceira semana) e de fato a realidade foi
similar, com 682 mortes (a previsão subestimou um pouco o número de mortes). No
entanto, no 45º dia (aproximadamente três semanas depois) a previsão
superestimou acentuadamente o número de mortes: 1.150 ao invés das 735 que de
fato ocorreram. Alguma mudança importante nas circunstâncias ocorreu para
causar esta mudança de direção na trajetória (ou seja, a grande diferença entre
a trajetória prevista e a trajetória de fato realizada). Esta superestimação já
podia ser detectada no 39º dia. Considerando o tempo de incubação do novo
coronavirus e o tempo de agravamento da COVID-19 nas pessoas que fazem um
quadro grave e acabam morrendo (por volta de três semanas), essas mudanças nas
circunstâncias devem ter ocorrido por volta de três semanas antes do 39º dia,
i.e., por volta do 18º dia, mas não antes disso (pois a previsão para o 33º dia
foi dentro do esperado, sem nenhuma superestimação). O 18º dia corresponde ao
dia 9 de março de 2020, que foi quando a Itália confinou as pessoas em suas
casas (marcado no gráfico com a seta verde). Isto sugere que o confinamento em
casa reduziu substancialmente a velocidade de epidemia três semanas à frente,
mas não antes disso.
Previsão ≈ 1.150
novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = 735 novas mortes no 43º-45º dia.
Na Espanha, as três primeiras semanas
levaram a uma previsão de 2.300 novas mortes no 45º dia. Ainda não é possível
comparar esta previsão com os dados reais, pois a Espanha ainda está no 33º dia
do seu surto de mortes. No entanto já há forte indicação de que este número
será uma superestimação substancial, assim como foi na Itália, pois já houve
alguma superestimação na previsão do 33º dia, de 1.100 ao invés das 915 mortes
que de fato aconteceram. Assim como no surto na Itália, algo deve ter mudado
três semanas antes, por volta do 12º dia, mas não antes disso. O 12º dia do
surto de mortes na Espanha corresponde ao dia 14 de março de 2020, que foi
quando a Espanha confinou as pessoas em suas casas (seta verde no gráfico).
Previsão ≈ 2.300
novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.
Nos EUA o que mais chamou atenção foi
uma mudança repentina entre o 21º e o 24º dia desde a primeira morte
registrada. Do 9º ao 12º ao 15º ao 18º ao 21º dia o número de novas mortes
dobrou aproximadamente (de 2 a 4 a 6 a 13 e 22). No entanto, do 21º ao 24º
passou de 22 a 107 mortes, ou seja, quase quintuplicou. A partir daí voltou a
crescer novamente próximo ao ritmo das três primeiras semanas (menos um pouco
do que dobrando em cada ponto subsequente). Esta mudança abrupta neste momento no
tempo foi responsável pela enorme subestimação do número de mortes no 33º dia
com base na trajetória registrada nas três primeiras semanas. Acreditamos que
este fato se deve a algum artefato estatístico e não a uma mudança real
repentina no número de mortes –
uma mudança no critério de diagnóstico da COVID-19 por exemplo. Uma hipótese plausível é que houve uma redução
na subnotificação de mortes pela COVID-19 a partir daquele momento, com os
médicos no país tornando-se mais atentos para a COVID-19 como causa de morte. A
favor desta hipótese está o fato de que o crescimento no número de novas mortes
registradas pela COVID-19 nos EUA durante as três primeiras semanas da epidemia
de mortes por esta doença foi menor do que nos outros países; nos EUA cresceu
de 3 a 22 mortes enquanto no Brasil, Reino Unido, Itália e Espanha cresceu de 1
a 62, 1 a 63, 3 a 154 e 1 a 318, respectivamente. Uma outra possibilidade é a
chegada repentina nos EUA de um grupo de pessoas infectadas que foram super
transmissores ou algum evento de grande aglomeração por volta de três semanas
antes daquele momento (i.e., por volta do dia 1 de março de 2020). Nos EUA o
confinamento em casa foi iniciado somente no 23º dia depois da primeira morte
registrada (em 22 de março de 2020 – pelo menos em Nova York) então ainda não
houve tempo suficiente para o gráfico dos EUA neste post detectar alguma
mudança na trajetória das mortes devido a ele. Se houver alguma mudança na
trajetória devido ao confinamento iniciado em 22 de março ela só será detectada
por volta de três semanas após o início do confinamento, i.e., no 44º dia (a
partir de 12 de abril de 2020).
Previsão ≈ 65 novas mortes no 31º-33º dia;
Realidade = 629 novas mortes no 31º-33º dia.
Previsão ≈ 140
novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.
As primeiras três semanas no Reino
Unido sugeriam uma epidemia menos agressiva do que acabou se concretizando já
dez dias depois; o gráfico mostra uma subestimação da ordem de três vezes (uma
previsão de 200 mortes, mas na realidade foram 671 mortes no 33º dia). Assim
como nos EUA, uma explicação plausível para esta subestimação é a
subnotificação de mortes pela COVID-19 que pode ter ocorrido nas primeiras três
semanas do surto de mortes. Também como nos EUA, o Reino Unido ainda não chegou
ao 45º dia do surto então não podemos comparar a previsão de 425 mortes neste
dia com o número real de mortes. No entanto, já parece que esta previsão seja
uma grande subestimação, dado que já houve 671 mortes no 33º dia e nenhum sinal
ainda de mudança de trajetória. No
Reino Unido o confinamento em casa foi iniciado no 19º dia depois da primeira
morte registrada, em 23 de março de 2020, então se
houver alguma mudança na trajetória devido ao confinamento ela só será
detectada a partir do 40º dia, por volta de 13 de abril de 2020.
Previsão ≈ 425
novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.
Na Coreia do Sul as três primeiras
semanas sugeriam que as mortes diárias permaneceriam em menos de 10 no 33º dia
e também no 45º dia, o que de fato se concretizou. Isso
sugere que as circunstâncias das primeiras três semanas permaneceram similares nas
semanas seguintes até o 45º dia. A Coreia desde o início vem testando amostras
populacionais grandes para detecção do novo coronavírus, identificando as pessoas
com resultado positivo e isolando-as por duas ou três semanas. A Coreia em
nenhum momento até o 45º dia desde a primeira morte confinou toda população em
casa.
Previsão ≈ <10
novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = 5 novas mortes no 43º-45º dia.
Discussão sobre perspectivas para a pandemia no Brasil
O futuro do surto no Brasil após as
primeiras três semanas que se completam hoje é incerto, pois obviamente o
futuro ainda não ocorreu. No entanto, é menos incerto do que foi o futuro para
os países que enfrentaram esta pandemia antes. O Brasil pode observar as
previsões que foram feitas para os outros países e comparar com o que aconteceu
de fato, pois o “futuro” naqueles países já aconteceu. É como se o Brasil
tivesse a oportunidade de escolher o seu futuro, diante das alternativas
disponíveis reveladas pelos outros países. Por exemplo, um fator que parece
determinante das trajetórias é o confinamento de toda a população em casa. Os
EUA e o Reino Unido incialmente optaram por não confinar toda a população em
casa, no entanto, ao observar o “futuro” em países como Itália e Espanha, e
notarem um aumento rápido na velocidade da pandemia em suas próprias
populações, mudaram de ideia e tomaram esta atitude no 23º dia, quando os EUA
registraram 107 mortes diárias e 19º dia, quando o Reino Unido registrou 63
mortes diárias, desde o início do surto de mortes.
A Itália e a Espanha confinaram a
população no 18º e 12º dia, quando registraram 73 e 29 mortes diárias, respectivamente.
Ou seja, a prevenção mais radical do contágio iniciou mais cedo no surto da
Espanha (no 12º dia quando foram registradas 29 mortes diárias) e mais tarde no
surto dos EUA (no 23º dia quando foram registradas 107 mortes). Se o confinamento
de toda a população em casa for de fato decisivo para mudar mais rapidamente a
trajetória da pandemia, EUA e Reino Unido devem sofrer um número maior de novas
mortes diárias do que Itália e Espanha sofreram antes da inversão de suas
trajetórias, pois iniciaram o confinamento mais tardiamente durante seus
respectivos surtos.
Todos os países tomaram outras
atitudes para redução do contágio, tais como banimento de eventos públicos e
fechamento de escolas, antes do confinamento de toda população em casa. Esses
fatores variaram entre os países e influenciam também diferenças na velocidade
do contágio.
O Brasil confinou toda a população (pelo
menos em São Paulo e no Rio de Janeiro) em 24 de março de 2020 (no 8º dia
depois da primeira morte, quando foram registradas 9 mortes diárias). A
previsão de 175 e 350 novas mortes diárias no 33º e 45º dia, respectivamente,
já conta, portanto, com o efeito do confinamento de toda a população (pelo
menos parcialmente); o confinamento tem efeito imediato no contágio, então
entre o 8º e o 21º dia do surto no Brasil (duas das primeiras três semanas
desde a primeira morte registrada), já espera-se que tenha havido uma redução do contágio devido
ao confinamento. Qualquer mudança nessas circunstâncias alterará as previsões
feitas aqui para o 33º e 45º dias, com base no que aconteceu nas três primeiras
semanas do surto de mortes no Brasil. Por exemplo, se houver uma redução ou um
aumento no confinamento das pessoas em casa. Se
houver alguma redução na velocidade no surto de novas mortes diárias devido ao
confinamento ela já será detectada a partir do 29º dia do surto de mortes no
Brasil, i.e., por volta de 14 de abril de 2020.
Previsão ≈ 175 novas mortes no 31º-33º dia;
Realidade = ? novas mortes no 31º-33º dia.
Previsão ≈
350 novas mortes no 43º-45º dia; Realidade = ? novas mortes no 43º-45º dia.
Conclusão
Este post teve o objetivo de relatar
as trajetórias da pandemia de mortes por COVID-19 em alguns países. Foram
relatadas trajetórias passadas e previsões para o futuro. O único fator explicativo
considerado nesta análise foi o número diário registrado de novas mortes pela
COVID-19 nas três primeiras semanas após o registro da primeira morte. Não
houve nenhuma tentativa de fazer modelagens para previsão no número de novas mortes
com base em todos os fatores explicativos que podem influenciar a trajetória.
Por exemplo, o tamanho da população, a densidade demográfica, o número básico de
reprodução da doença (o número de pessoas que é infectado por uma pessoa
infectada pelo novo coronavírus), o nível de interação física entre as pessoas,
a quantidade de habitantes por domicílio, as políticas de afastamento físico
incluindo a confinamento residencial de toda a população, entre vários outros
fatores que influenciam a trajetória no número de novas mortes diárias, não
foram considerados. O leitor que quiser conhecer modelos de predição mais
sofisticados pode consultar várias fontes, inclusive o Imperial College (https://www.imperial.ac.uk/about/covid-19/our-response/).
O único outro fator explicativo
considerado nas discussões neste post (além da incidência diária de mortes nas
três primeiras semanas após a primeira morte registrada) foi o confinamento de
toda população em casa. Mesmo assim, ele só foi considerado na discussão, mas
não na linha de tendência usada para fazer as previsões.
O objetivo deste post é compartilhar
uma forma de raciocinar sobre as trajetórias desta pandemia, focando nos pontos
e em alguns países que me parecem mais relevantes para acompanhar e refletir
sobre a trajetória deste surto de mortes por COVID-19 no Brasil.
Continuaremos a atualizar essas análises de
tendências para ajudar a divulgar a velocidade da propagação da epidemia
no Brasil em comparação com outros países.
Paulo Nadanovsky, PhD.
Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
Obrigada, as suas interpretações tem sido hiper esclarecedoras e acessíveis num momento tão confuso. Valeu! Até o próximo. Bjsss
ResponderExcluirMara psicóloga
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