sexta-feira, 8 de maio de 2020

Brasil continua aumentando o número de mortes diárias registradas por COVID-19

 Rio de Janeiro, 8 de maio de 2020


No post de 27 de abril (https://nadanovsky.blogspot.com/2020/04/por-que-o-brasil-mesmo-depois-de-mais.html) constatamos que mesmo depois de mais de quatro semanas de confinamento domiciliar o Brasil ainda apresentava um aumento no número de mortes diárias registradas. Depois de analisar várias explicações alternativas concluí que a mais provável era a seguinte: o confinamento domiciliar foi adotado, de fato, apenas por uma quantidade insuficiente da população.

No post de hoje, 10 dias depois, as barras do 43º-45º, 46º-48º e 49º-51º dia (aproximadamente um período de 10 dias entre o final de abril e o início de maio de 2020) demonstraram que, pela primeira vez desde o início da pandemia no Brasil, o número de mortes diárias permaneceu estabilizado, i.e., parou de crescer (Figuras 1 e 2). No entanto, a barra do 52º-54º dia mostrou um crescimento dramático para 659 mortes diárias registradas.

A Itália e a Espanha, desde que pararam de apresentar aumento no número de mortes diárias (no 37º-39º e 31º-33º dia, respectivamente), vêm apresentando redução consistente nas mortes diárias, pelo menos até este momento (no 76º-78º e 64º-66º dia, respectivamente). EUA e Reino Unido pararam de apresentar aumento (no 46º-48º e 37º-39º dia, respectivamente), mas ainda não mostraram redução consistente no número de mortes diárias registradas até este momento (no 67º-69º e 61º-63º dia, respectivamente). A Itália e Espanha chegaram a registrar 872 e 915 mortes diárias, respectivamente (30 a 40 dias após o registro da primeira morte), e mais recentemente, por volta de um mês depois, apresentaram 281 e 293 (Itália nas duas barras mais recentes) e 201 e 214 (Espanha nas duas barras mais recentes) mortes diárias. Os EUA atingiram 2.959 mortes diárias registradas na barra do 46º-48º dia e os dados mais recentes, por volta de 20 dias depois, ainda apresentaram 1.559 e 1.916 mortes diárias; isto indica algum sinal de redução, porém ainda sem a consistência e o tamanho apresentados por Itália e Espanha. O Reino Unido atingiu 926 mortes diárias registradas na barra do 37º-39º dia e por volta de 20 dias depois ainda apresentou 678 e 432 mortes diárias; assim como os EUA, é um sinal de redução, mas ainda não tão grande e consistente quanto na Itália e Espanha.

A Coreia do Sul vinha mantendo desde o 10º até o 75º dia o mesmo número de novas mortes diárias, variando de três a sete. De lá para cá, no 76º-78º dia de seu surto, caiu para menos de duas mortes. A Coreia desde o início vem testando amostras populacionais para detecção do SARS-CoV-2, identificando as pessoas com resultado positivo e isolando-as por duas ou três semanas. A Coreia em nenhum momento até o 78º dia desde a primeira morte confinou toda população em casa.




Figura 1. Número de mortes (eixo vertical) em escala logarítmica.

* Dia 1 (Dia em que houve a primeira morte registrada de COVID-19): Brasil, Março 17; Coreia do Sul, Fevereiro 20; Itália, Fevereiro 21; Espanha, Março 1; EUA, Fevereiro 29; Reino Unido, Março 5.

* O número diário de novas mortes é sujeito a variações aleatórias que dificultam observar claramente se a tendência é ascendente, estacionária ou descendente. Por isso, os gráficos neste post apresentam uma média de três dias para representar o número diário de novas mortes. Por exemplo, no 31º, 32º e 33º dia após a primeira morte por COVID-19 registrada na Coreia do Sul houve três, uma e nove novas mortes, respectivamente; a média diária então foi de 4,33 que equivale aproximadamente a quatro mortes nos dias 31-33 (D31-33). Dessa forma evitamos ser confundidos por oscilações aleatórias irrelevantes.

* O número limitado de testes para confirmação do diagnóstico da COVID-19, as diferenças no número de sub e sobre notificações de mortes por COVID-19 entre os países e em diferentes momentos em um mesmo país e outras dificuldades na atribuição da causa de morte, significa que o número de mortes registradas (e relatadas nos gráficos) pode não ser uma contagem acurada do verdadeiro número de mortes pela COVID-19. Por exemplo, os EUA relataram no dia 15 de abril uma mudança no critério de diagnóstico – a partir daquele dia, não haveria mais necessidade de confirmação de teste diagnóstico laboratorial (por exemplo, PCR) para classificar uma morte pela COVID-19, bastando apenas o diagnóstico clínico. Neste dia o número de novas mortes registradas pulou de 1541 no dia anterior (14 de abril) para 2408 e para 4928 no dia seguinte (16 de abril). Esses foram o 46º, 47º e 48º dias do surto naquele país (a barra verde na série dos EUA deve ser mais saliente, pelo menos em parte, devido a esta mudança de critério de registro).





Figura 2. Número de mortes (eixo vertical) em escala linear. As barras da Coreia do Sul não aparecem, pois os números de mortes são muito pequenos. Outras explicações deste gráfico estão na figura 1.



Interpretação dos dados

Uma das hipóteses que consideramos no post de 27 de abril foi que no Brasil as mortes por COVID-19 registradas em um determinado dia podem refletir na realidade mortes que ocorreram duas ou três semanas antes. Neste caso, pode ser que o pico de mortes diárias já tenha sido atingido, mas como muitas mortes passadas não foram ainda confirmadas, elas não contribuíram para a altura das barras passadas, mas ainda continuam a contribuir para a altura das barras atuais. Neste caso, o pico teria já de fato sido atingido, porém, por enquanto não está sendo possível detectar este fato pelos dados de registros de mortes. Alternativamente, este platô identificado entre 27 de abril e 5 de maio pode ter escondido mortes que estavam se acumulando e foram registradas tardiamente (dias depois), processo que continua similar e persistente, dissipando na barra mais recente (52-54º dia, i.e., 7 a 9 de maio) a impressão de que o Brasil já poderia estar cessando o aumento no número de mortes diárias.

Uma outra hipótese que consideramos no post de 27 de abril foi que o Brasil deve apresentar surtos locais ou regionais em momentos diferentes. Se isto de fato estiver acontecendo, ou vier a acontecer, e os surtos fora de São Paulo e Rio se tornarem preponderantes (por exemplo, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Pará parecem estar neste caminho), o Brasil seguiria um caminho similar aos EUA e Reino Unido; i.e., apresentando dificuldade para reduzir muito e consistentemente o número de mortes diárias depois de atingir o pico nesta primeira onda da pandemia. É possível que por serem países mais populosos e mais diversos geográfica e culturalmente do que Itália e Espanha, estejam enfrentando surtos locais ou regionais em momentos diferentes, mais do que Itália e Espanha enfrentaram. Por exemplo, Nova York já estava reduzindo o número de mortes diárias enquanto outros estados estavam aumentando. Por outro lado, caso o Brasil consiga suprimir a pandemia em outros estados (por exemplo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul parecem estar tendo sucesso em suprimir a pandemia até este momento), podemos esperar que, após os surtos em São Paulo e no Rio, haja um desenrolar mais similar ao verificado na Itália e Espanha, com redução grande e consistente no número de mortes diárias no país.

A heterogeneidade dentro de estados e cidades como Rio e São Paulo pode levar a ainda mais aumentos no número de mortes diárias quando a infecção se alastrar por bairros e municípios ainda pouco afetados. Estados como Ceará e Pernambuco podem ainda apresentar aumento no número de mortes tomando o lugar de São Paulo e Rio como os maiores focos da pandemia no Brasil. O estado de São Paulo, desde 23 de abril até hoje, não tem mais apresentado um aumento consistente no número de registros de mortes diárias. Isso pode indicar que o grande aumento observado no Brasil desde 6 de maio deve ser devido ao aumento em outros estados, com surtos posteriores ao de São Paulo. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, apresentou um aumento grande a partir de 6 de maio, com 58, 82, 189 e 109 novas mortes diárias em 5, 6, 7 e 8 de maio.

Implicações

Não é possível prever o caminho que o Brasil trilhará, ainda mais diante de tanto titubeio, inconsistência, apatia e descoordenação das autoridades federal e locais. As únicas alternativas disponíveis no momento para tentar evitar a continuação no aumento no número de mortes (e os casos graves da doença e todo sofrimento que os acompanham) é o confinamento da população toda e o rastreamento das pessoas infectadas e seus contatos (direcionado a locais onde há mais pessoas infectadas e prioritariamente em comunidades pobres), com fornecimento pelo estado de locais para quarentena e ajuda financeira para as pessoas infectadas que não tenham como fazer a quarentena na própria residência. Infelizmente, pode ser necessário que o estado recorra ao confinamento forçado (ao invés do confinamento recomendado), pois até agora tudo indica que a população não tenha se confinado suficientemente. A quantidade de pessoas aproveitando a orla das praias, os parques, as praças, os bares, os campos de futebol e vários outros locais de lazer, dão indicação clara de que o confinamento pode ser bem mais efetivo, mesmo descontando as pessoas que precisam trabalhar fora de casa. Tínhamos esperança de que não precisaríamos recorrer ao confinamento forçado (https://nadanovsky.blogspot.com/2020/03/a-tragedia-dos-bens-comuns-e-pandemia.html), mas neste momento não há outra alternativa humanista, já que ainda não houve a mobilização necessária do governo, empresários e autoridades sanitárias para investir na produção de testes e implementação de estratégias de rastreamento de pessoas infectadas e seus contatos.



Paulo Nadanovsky, PhD.

Epidemiologista da Fiocruz e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


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